Oomisoka
De vez em quando, gosto de inserir aqui algumas palavras em
japonês, porque não consigo atinar com uma que corresponda exatamente ao sentido
que quero lhe conferir.
Oomisoka em japonês significa o último dia do ano, ou seja, se
refere ao dia 31 de dezembro, o derradeiro dia do ano que finda. Para os
japoneses, essa data tem um significado muito mais profundo do que apenas mais
um dia no calendário.
No Brasil e nas civilizações ocidentais, é costume considerar o
dia 25 de dezembro como a data máxima de comemorações de fim de ano. Tem a ver
com a cristandade, com o nascimento de Jesus, o Salvador do Mundo. Então, em
dezembro tudo gira em torno dessa data: organizam-se reuniões de famílias, de
amigos, de colegas de trabalho, de vizinhos para as confraternizações e troca
de mimos; as compras de dezembro são todas visando as Ceias de Natal e os
presentes a serem trocados.
É presente para os afilhados, os netos, os amigos
secretos... Ainda tem as nozes, as
castanhas, as passas, os vinhos, os champanhes. E os perus, as leitoas, os
chesters, o arroz de festa, os panetones, a sobremesa especial, as frutas
tropicais... E sem contar com os trajes de gala... O 13º salário se torna
pequeno e irrisório diante de tantos gastos.
Entretanto, para os japoneses de cultura milenar de antes de
Cristo, o costume é bem diferente.
Durante o mês de dezembro é costume se fazer a faxina da casa,
da despensa, dos armários e do quintal, eliminando tudo que é inútil e
desnecessário. (É o grande osouji, ou faxina geral). Por que isso? Para pôr em
ordem a vida de todos da casa, para se iniciar o novo ano sem as quinquilharias
e os bagulhos, que atrapalharam durante o ano todo. Para iniciar o novo ano de
alma limpa, de casa limpa, com outras aspirações.Nesse mês também se acerta as
contas, devolvendo o que foi emprestado, pagando o que é devido e agradecendo
os favores recebidos. É costume, pois, visitar os amigos com um mimo para lhes
retribuir a atenção recebida durante o ano, e dentre outras palavras dizer
também que, no próximo ano se espera contar com a sua amizade e atenção.
(Yoroshiku onegai itashimassu)
E no dia 31, o dia do Oomisoka, a família se reúne para a
confraternização, com um grande banquete, onde não falta também o “omoti” um
bolinho de arroz, que nos tempos difíceis do Japão era considerado “alimento
dos deuses” e era ofertado só aos monges dos templos. Esse banquete tem o
propósito de agradecer as graças recebidas de Deus ou Buda durante o ano, pela
boa colheita, pela aprovação do filho no Vestibular, pelo emprego garantido,
pela saúde de toda a família.
E também, tem a ver com a vida, pois o calendário que se encerra
é considerado como a vida que se vai. Então, é preciso fazer uma retrospectiva
da própria vida e eliminar tudo que atrapalhou, para que na nova etapa haja
menos erros e mais acertos. E nada de carregar para o novo ano as dívidas, as
coisas pendentes, para que tudo transcorra melhor, sem compromissos atrasados,
sem aflições.
É justamente essa parte de propósitos que assimilo de coração.
Acho que os meus ancestrais foram de uma sabedoria ímpar – aproveitar a virada
do ano para reflexões, para sanar os estrangulamentos, os erros. E começar uma
nova etapa com outros propósitos, com outras intenções. Não só festejar, mas
agradecer as graças recebidas e programar a continuidade da vida, para crescer
sempre. Agradecer tudo de bom que aconteceu e, outrossim, agradecer tudo de
ruim que foi superado. Etapa vencida para iniciar nova etapa.
Então, não há comemoração no primeiro dia do novo ano? Há, sim! Nesse dia costuma-se receber os
amigos, os vizinhos para agradecer a boa vizinhança, a boa amizade, a
confiança, a atenção recebida durante todo o tempo do ano que finda.
Resumindo tudo, talvez haja semelhanças nas comemorações
ocidentais e orientais, porque os cristãos também agradecem a Deus as graças
recebidas, e pedem a proteção de Jesus e Maria para o novo ano que logo se
inicia.
Mas, percebo que ultimamente o que mais predomina nessas festas
é só futilidade. As pessoas se preocupam mais com a decoração da casa, da mesa,
com as iguarias a servir, com as roupas da moda e se esquecem do fundamental
que é agradecer a Deus a família que está inteira, agradecer a saúde que lhes
permite ainda saborear uma boa ceia, agradecer o emprego que lhes possibilita
sobreviver e, agradecer a presença de amigos, que ainda estão aqui na terra
para tornar a vida mais leve e agradável.
Tanto nas reuniões de japoneses como de ocidentais, hoje a
preocupação é só consumir: comer, comer, e beber, beber...
E nada mais impróprio do que comer demais nesse verão bravo, com
esse calorão insuportável.
Comer comida forte e gorda, beber em excesso pode levar os
alegres celebrantes para a última comemoração de suas vidas.
E boas festas para todos!
Com moderação.
Mirandópolis, dezembro de 2017.
kimie oku in
http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/
http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/