terça-feira, 22 de setembro de 2015

      Tarde de setembro
   Tivemos uma tarde quentíssima hoje.

   Pensei até que o pessoal não compareceria, mas para surpresa de todos, a maioria se fez presente. A novidade do dia foi a volta da dona Palmira Martins, que esteve ausente por longos meses, por problemas de saúde. Graças à gentileza de sua nora Andréia, compareceu com a ajuda de um andador e, muita vontade de rever os amigos. Foi aplaudida ao chegar. Outra pessoa que surpreendeu foi a dona Asme Santana que, mesmo com dores físicas compareceu para usufruir a companhia dos amigos. Após alguns momentos, estava feliz cercada de amigas...
    
     Após os cumprimentos iniciais, e com a chegada dos músicos, a cantoria correu solta. A tarde se encheu de música sertaneja, acompanhada de gente dançando, rebolando... A alegria era completa. Os cirandeiros que não cantavam estavam papeando nos cantos.
     Como o calor era demais, o consumo de refrigerante foi alto e, o José Antonio Lima teve que ir buscar mais bebida para todos. Foram servidos salgados deliciosos e muita bebida, além de bolo e café.

     Durante uma pausa, a Kimie consultou o grupo sobre a comemoração dos cinco anos de Ciranda, que será no próximo mês. A primeira Cirandada foi no dia 15 de outubro de 2010. O grupo optou por comemorar no dia 16 de outubro, sexta-feira na Cozinha Caipira.
     E o seu Orlandinho aproveitou a pausa para fazer suas declamações, acompanhado por seu Moacir ao violão. E já no finalzinho da tarde, o pessoal da AMAI compareceu. Foi muito bom, porque eles curtem as músicas e dançaram felizes.
     A Eloyce do Jornal e eu estivemos observando a alegria de tanta gente, que vivia deprimida por causa da solidão... Todas cantando e dançando felizes com um largo sorriso no rosto... A Ciranda as salvou...
     Aguardamos a chegada do senhor Mário Dias Varela, que prometera vir mas não compareceu.
     A tarde foi ótima, animada pelos sanfoneiros Gerval e Albertino, pelos violeiros Moacir e João Francisco e pelo pandeirista Agnaldo. E pelas vozes potentes de todos os cantadores da Ciranda.
     Em outubro tem mais!
     Até lá!



Mirandópolis, setembro de 2015.
kimie oku in


     
            O tempo nosso de cada dia
  
   O que é o tempo?
      É algo impalpável, invisível, abstrato, inodoro, incolor, que existe. Como? Ele tem movimento, ele voa, ele para, demora para passar... Então, existe. Mas, ninguém consegue controlá-lo jamais. Ninguém consegue dominá-lo, guardá-lo, segurá-lo... Mas que existe, existe!
      Foi inventado para o homem ter um controle sobre suas ações, sobre sua passagem nesta Terra. Milênios, séculos, décadas, anos, meses, semanas, dias, horas, minutos, segundos tudo isso são palavras inventadas pelo homem. Não existem, apesar de controlarem com calendários, agendas, relógios, cronômetros e tecnologia.
      Para nós, cada dia tem vinte e quatro horas, das quais utilizamos um terço para trabalhar, um terço para outros afazeres e o restante para descansar. Mas, essas horas ocorrem num continuum, e não existem como algo concreto. É assim: amanheceu, as trevas foram embora com o surgimento do sol, que iluminará parte do planeta Terra até chegar o ocaso, e as sombras virão ocupar o lado que esteve iluminado. E o dia se tornará noite. O relógio é apenas uma máquina inventada para lembrar ao homem de seus compromissos: hora de levantar, de trabalhar, de almoçar, de voltar ao trabalho, de encerrar o expediente, de voltar para casa, de tomar banho, de jantar, de repousar... Os Incas usavam cordões ou quipos para marcar fatos importantes, como estatísticas de recenseamento de pessoas, de rebanhos... Era um cordão principal com vários cordões coloridos, onde se faziam nós... Devia ser muito complicado. E outros povos usavam as sombras para medir o tempo. Depois inventaram o relógio de areia ou ampulheta... O homem sempre foi muito criativo.
      Interessante é que com a mensuração do tempo, surgiram palavras para definir cada medida, como ontem, hoje, amanhã, agora, semana que vem, ano passado, futuro, presente, passado, quinzena, bimestre, triênio... E tudo se refere a algo que nem existe. Instante, eternidade, porvir... Também se referem à mesma coisa.
      Temos o hábito tão arraigado em nossa cultura de dizer que o tempo passa depressa, que o ano já passou da metade, que no próximo ano vamos fazer regime, cuidar da saúde... Esse tempo é apenas uma referência, pois ele não existe. E costumamos dizer que “as horas não passam” quando estamos vivendo momentos conflitantes, e que “a tarde passou depressa” em momentos felizes...
      E ainda existem os tempos de chuva (que saudades!), de ventanias, de temporais, de seca brava, de calor que queima e seca tudo... E tem as Primaveras, os Verões, os Outonos e os Invernos para separar épocas do ano. E reclamamos o tempo todo dos tempos gelados, dos tempos tórridos de Verão de 40 graus, dos tempos de seca, dos dias intermináveis de chuva...
      E o que os antigos costumam falar sempre “no meu tempo...” se referindo a um passado meio distante, em que os costumes eram outros. E os profetas nos ameaçam com “tempos virão para cobrar vossos pecados, vossa falta de fé...”
      Mas o homem não recebeu a graça da vida para ver o tempo passar. Ele tem que se ocupar, tem que se empenhar em alguma coisa para sobreviver. Daí, vai trabalhar e conta os dias para ter direito ao descanso semanal, os meses para conseguir o décimo terceiro salário, os anos para licenças-prêmios e férias, e cumpre todo o tempo necessário para poder se aposentar. A esperança do trabalhador é poder se aposentar e descansar, curtindo a vida antes de partir definitivamente desse mundo.
Entretanto, a vida é muito curta. Ela é apenas um sopro que passa... E muita gente sabe aproveitar esse tempo para se realizar, para aproveitar as boas coisas da vida. Uns gostam de viajar para lugares exóticos, outros gostam de festar, de dançar, outros ainda de pescar... E outros mais de jogar: bola, truco, vôlei, basquete, caxeta, sinuca, malha, tênis, bingo, bocha. E jogar nas loterias, que concentram as esperanças de multidões...
Nesta vida há tanta diversão para todos os gostos: cultivar um jardim, cuidar de uma horta, cozinhar, costurar, fazer bolos, criar umas galinhas, cuidar de cavalos, de cachorros, de gatos, de pássaros, de peixes... Nadar, praticar ginástica, caminhadas, corridas, ciclismo, motociclismo, escalar montanhas, esquiar, explorar florestas e matas...
E sem sair de casa ainda há outras diversões absolutas, que fazem o gosto de muita gente: ver novelas de tevê, assistir filmes, ler livros, ouvir música, tocar instrumentos musicais, fotografar, desenhar, pintar, escrever livros e pesquisar sobre os mais variados assuntos (tão fácil com o Google disponível!)
Como veem, há tanta variedade de ocupação para tornar a  vida mais agradável, mas a maioria dos aposentados se acomoda e não faz nada. Passa os dias e os anos pregado no sofá, queixando-se de dores aqui e ali, e não tem ânimo para dar uma volta no quarteirão. Ele sabe muito bem que as dores são a consequência de falta de exercício, de má postura no sofá, de não caminhar, mas como parou no tempo, não faz nada para melhorar... E aí vive se lamentando. Morto vivo. Desolador...
O tempo de aposentadoria foi a grande conquista da humanidade. Antes, os trabalhadores não tinham esse direito e trabalhavam até morrer. Já imaginou? Trabalhar direto desde que começa uma labuta, sem férias, sem parar até morrer? Era exatamente assim. E ninguém reclamava do pagamento irrisório, porque era dispensado na hora. Com a Revolução Industrial, os operários que trabalhavam 12, 16, 18 horas diariamente, é que conquistaram esses direitos para nós. E a sociedade foi aprimorando os direitos do trabalhador, até acabar concedendo férias, licenças- prêmios e gratificações. Mas isso só foi conseguido depois de muitas brigas, de levantes, de confrontos entre patrões e empregados. Felizmente, todas essas conquistas foram transformadas em leis trabalhistas e o tempo de escravidão ficou para trás. Então, por que as pessoas não aproveitam esse tempo de aposentadoria? Realizando sonhos. Vivendo, mesmo que por um lapso de tempo, tudo aquilo que desejou viver...
Ainda é tempo! Antes de partir para sempre desse mundo, vamos realizar os sonhos mais caros que cada um de nós carrega. Só assim a vida terá valido a pena. Porque no final das contas, a gente vive a vida toda para os pais, para os irmãos, para os filhos, para os netos, os bisnetos... E esquecemos de viver a própria vida, para nos satisfazer.
E o que você tem feito do seu tempo?

Mirandópolis, agosto de 2015.
kimie oku in




      

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Paixão por livros...


O primeiro livro que conheci foi a Cartilha Sodré de Benedicta Sthal Sodré. Isso foi em 1949, no meu primeiro ano escolar. Numa escolinha rural, na Escola Mista da Fazenda Santa Emília. Lavínia. Grande sala anexa a uma casa de fazenda, que tinha também um armazém de secos e molhados. Lá vendiam de tudo, mantimentos, pinga, fumo de corda, ferramentas agrícolas, chapéus de palha e alpargatas, ou calçados rústicos de lona e corda.
Quando lembro dessa escola, docemente soam aos meus ouvidos: “A pata nada, pata pa, nada na...” Era a primeira lição da cartilha em que fui alfabetizada. Era uma cartilha em preto e branco, só a capa tinha a cor verde. As lições eram pequenas e simples, sempre repetindo as sílabas que eram para fixar. Tinha também “A macaca é má, macaca má; Osmarina está de vestido novo, essa era para ensinar as, es, is, os, us...” Cada lição tinha uma ilustração simplificada em preto e branco.
Quando terminei o ano, ganhei da professora um livro colorido chamado Papagaio Real e recortado no formato de um papagaio em pé. Era muito bonito e me encheu os olhos com o seu colorido... Eu o li centenas de vezes... Currupaco papaco...Currupaco papaco... Papagaio Real de Portugal.
Depois veio o livro de leitura Meninice, que me encantou de verdade, pelos ensinamentos que passou. Na terceira série, a professora Engrácia Teixeira Martins me presenteou com o livro “Caçadas de Pedrinho”. E aí fui introduzida ao mundo do Sítio do Pica-pau Amarelo: Pedrinho, Narizinho, Emília, Visconde de Sabugoza, tia Nastácia, Dona Benta, o mundo encantado de Monteiro Lobato. Eu me lembro até do cheiro que exalava de suas folhas... Mas, só tive acesso aos demais volumes dessa coleção muitos anos depois.
Como naqueles tempos não havia televisão nem Internet e, morávamos num sítio retirado 18 quilômetros da cidade, o único meio de comunicação era o rádio, movido a pilha. Só era ligado nas horas de noticiário, para economizar a bateria. Não havia luz elétrica, e à noite estudávamos à luz de lamparinas e lampiões de querosene... Tempos duros, tempos escuros...
Livro era uma novidade. Tinha uma linguagem especial e passava lições de comportamento, de higiene corporal, de honestidade, de brasilidade e de preservação da natureza. Era um mundo completamente diferente do mundo bruto, tosco, desconfortável em que vivíamos. Éramos da roça e não tínhamos boas maneiras, era tudo no grito e necessitávamos urgentemente de polimento. E a Escola fez essa parte. Fomos adestrados...

Quando comecei a estudar no Ginásio, que ficava ali atrás da linha na Cunha Bueno, um dia descobri a Biblioteca. Fiquei pasma de ver tantos livros, e tive vontade de ler todos. Sempre que havia uma aula vaga, eu me escondia lá. O primeiro livro se chamava Majupira e não esqueci até hoje. Nem sei se ainda existe, mas era uma história de crianças que amavam sua professora e, formaram um grupo com esse nome, que eram as iniciais do nome da professora Maria Júlia Pimentel Ramos... Nessa época eu devia ter uns 12 anos. Fiquei encantada com essa leitura. E daí em diante não parei mais, li todas as histórias infantis de  Hans Andersen (O patinho feio), de Charles Perrault (A gata borralheira, O gato de botas, Chapeuzinho vermelho), de Lewis Carroll (Alice no país das maravilhas) e as maravilhosas fábulas de La Fontaine. Nessa época li muitos gibis: Tarzan, Capitão Marvel, Shazam!, Roy Rogers, Durango Kid, Zorro, Superman, Capitão América e tantos outros... Nessa época, as escolas condenavam a leitura de gibis, não sei porque...Mais tarde li os nacionais Chico Bento, Cebolinha, Mônica...
Leitura passou a ser como um vício, não conseguia parar de ler. E quando começaram a emprestar livros para ler em casa, pegava o máximo permitido. Não havia tédio nem tristeza na minha juventude e mocidade, tinha os livros. Frequentei as Bibliotecas das Escolas, as da Prefeitura tanto daqui como de Lavínia. Em Lavínia, enquanto esperava ônibus de volta de Tabajara onde lecionava, ia à Biblioteca, onde a bibliotecária Izelda me emprestou dezenas e dezenas de livros. Lia de tudo, romances russos, escandinavos, americanos e, sobretudo livros de nossa Literatura. Quando professora, investi muito em livros. Comprei coleções e coleções de escritores famosos. Adquiri os 51 volumes de Alexandre Dumas, que li, Garcia Marquez, Josué Montello, Graciliano Ramos, Cronin, Drummond de Andrade... Não cabiam nas duas estantes grandes. Aí descobri livros impressos em papel bíblia, que reduzia bastante o número de volumes. E comprei Tolstoy, Shakespeare, Manuel Bandeira, Cecília Meireles. E obras avulsas de Neruda, Gorki, Pirandello, Tennesse Willians, Willian Faulkner, Saramago, Kafka e tantos outros... Cada um deles me ensinou coisas fabulosas dessa vida. Aprendi a enxergar pessoas, situações e circunstâncias pelo viés deles. Um romancista brasileiro não muito divulgado que aprecio muito é o Josué Montello. “Os tambores de São Luís” de sua autoria merece ser transformado em filme, porque retrata todo o sofrimento dos africanos na escravidão do Brasil. Esse livro me marcou muito.

De repente parei de ler. Quer dizer, ler livros de língua portuguesa. Passei a estudar a Língua japonesa e ultimamente tenho lido muitos livros japoneses, precisamente as biografias de heróis da História do Japão. É outro mundo fascinante, o da Literatura Japonesa. É instigante, porque os ideogramas são difíceis de assimilar e estimulam a pesquisar sempre.
Infelizmente, acho que os livros estão condenados. As florestas do mundo chegaram ao fim e, não há mais celulose para ser transformada em livros. Além disso, o mundo digital consegue arquivar bibliotecas inteiras no seu disco rígido. E o Google tem funcionado ultimamente como o Dicionário Universal. E as informações arquivadas estão se avolumando dia a dia, e em futuro próximo os livros se tornarão obsoletos. Infelizmente, porque amo os livros. Bibliotecas estão caminhando para o fim, com certeza.
Tudo passa, tudo muda, tudo se transforma. Essa é a lei da vida. E não tem como mudar isso. Mas, fica um sabor amargo na boca ao pensar que, crianças não folhearão mais os maravilhosos livros que eu li, que me encantaram e me transportaram para o inimaginável mundo da Literatura.
Falando nisso, você se lembra do último livro que leu?

      Mirandópolis, agosto de 2015.
kimie oku in



quinta-feira, 3 de setembro de 2015

           Funerais budistas


 Quando mamãe já tinha ultrapassado os oitenta anos, vivia indo aos funerais de parentes e amigos. Isso acontecia quase que semanalmente, e eu lhe dizia que era funeral demais, que deveria ir apenas quando o falecido era muito amigo. Implicância de filha que não sabia de nada...
Agora que já passei dos setenta anos, a ficha caiu e entendi o porquê da mamãe ter ido a muitos enterros. É que ao viver tantos anos ela havia acumulado uma porção de amigos, e não poderia deixar de se despedir deles... Só fui entender agora porque também vou a tantas despedidas... É rara a semana que não ocorra enterro de um amigo, de um conhecido ou de um parente... Às vezes acontece mais de um velório na semana, a que tenho que comparecer.
A morte é sempre uma ocorrência dolorosa para os familiares. E não há nada que possa consolá-los a não ser um abraço de solidariedade... Mas, como sou de origem japonesa, percebo as diferenças de um funeral ocidental de um oriental.
De acordo com o costume cristão, o funeral brasileiro se faz de forma simples, apenas com o ajuntamento de familiares e amigos, que passam umas horas juntos. E culmina com a cerimônia religiosa, que consiste numa missa, numa celebração ou no desfiar de um terço, pedindo o descanso eterno para aquele que está partindo. Acho muito pouco para a despedida derradeira.
No funeral oriental, que abrange os chineses, os coreanos e os japoneses, a morte é um acontecimento muito solene que deve ser partilhado com todos. De acordo com o costume budista, as esposas de amigos vão à casa do finado e preparam uma refeição light, para receber todos os parentes e amigos que virão para o enterro. A refeição compartilhada faz parte da cerimônia do funeral, pois é consumida em memória do falecido. E todos que comparecem levam um envelope com certa quantia de dinheiro vivo, para ajudar nas despesas... Isso é um costume antigo, que remonta aos tempos duros de fome na guerra, em que ninguém tinha recursos para enterrar seus mortos. O valor mínimo é estabelecido, mas as pessoas podem ofertar quantias maiores, de acordo com a proximidade com a família. A soma dessas oferendas serve para pagar as despesas imediatas da Funerária, do Cemitério e do Cartório. E como salva a família que está de luto! Essa ajuda mútua é muito providencial. Às vezes, dá até para pagar o Hospital...
Muitas vezes tive vontade de oferecer esses valores para amigos brasileiros, porque acho de suma importância aliviar a preocupação financeira, nesse momento de dor e saudade. Mas, não sei se eles entenderiam...
E a parte religiosa consiste numa celebração tal qual a brasileira, com leitura de sutras e cânticos, sempre enaltecendo o Criador e pedindo o descanso eterno do falecido. A diferença está no palavreado e na língua japonesa. Mas, tudo significa a mesma coisa. E é feita a oferenda de incenso para iluminar e perfumar o caminho para a eternidade...
E se os católicos celebram a missa de sétimo dia, de um mês, de um ano, os budistas também o fazem igualmente. Missa de sétimo dia, de quarenta e nove dias, de um ano, de três anos... A de quarenta e nove dias é considerada a mais importante de todas. De acordo com os ensinamentos de Buda, a alma do falecido não consegue se desvincular de imediato da família que deixa. Então, ela fica ainda por quarenta e oito dias pairando sobre a família, com a função de protegê-la, e só no quadragésimo nono dia é que ela irá embora de vez. Após os 49 dias, a alma irá ingressar no Mundo dos Mortos, dos Antepassados. Nesse dia ou antes mesmo, a família convida os parentes próximos e alguns amigos chegados para fazer o “Miokuri”, ou despedida definitiva. Nesse dia, as dores estarão mais amortecidas, e a família tem condições de receber a todos com gratidão, pelo apoio recebido no funeral. Após essa cerimônia termina o tempo de luto.


Estive um dia desses numa missa de quarenta e nove dias de um familiar muito querido, que partiu. E senti como os meus ancestrais foram sábios em estabelecer esse costume. Compareceram os familiares que, realmente conheceram e usufruíram da companhia do falecido. E a cerimônia foi tranquila, respeitosa e repleta de saudades... Ao ofertar incensos no altarzinho, tive a nítida impressão que a alma da pessoa estava deixando esse mundo de verdade. Paz é o que lhe desejei.
Depois da cerimônia, há sempre uma mesa de chá, degustado por todos os familiares que conversam e relembram daquele que partiu, enquanto apreciam os petiscos preparados pela anfitriã.  Nesse momento é que os parentes se comunicam, trocam notícias e comentam fatos passados... É o momento de saudades. Então, cheguei à conclusão que o falecido é que estava recebendo a todos, e proporcionando um tempo de paz, de reencontro, de união, de fortalecimento da família...
Nesses tempos duros, em que tudo está por demais caro e difícil, os parentes deixaram de se visitar. E a maioria das famílias acabou perdendo o elo, que as ligava às pessoas queridas. E constatei ultimamente que, é só nos funerais que os amigos distantes se reencontram e matam as saudades... Os parentes que há décadas não se veem, acabam se reencontrando movidos pela dor e saudade.
Não posso afirmar que os funerais budistas sejam mais consoladores e confortáveis que os cristãos... Mas, há uma diferença gritante nos procedimentos em relação à morte, ao finado e à segurança financeira da família que fica. Eu me sinto bem com os rituais budistas, mais ainda com o costume de se reunir os familiares na própria casa, para essas celebrações.
Os cristãos também deveriam adotar o costume de ajuda mútua nos funerais...  E as missas ou celebrações deveriam ser na casa da pessoa que faleceu, para reunir os familiares. Seria mais íntimo e reconfortante para todos.
Que tal começarmos a levar envelopes às famílias de nossos irmãos brasileiros, que partem? É tão providencial e solidário.
Com muito respeito.



      Mirandópolis, agosto de 2015.
kimie oku in
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