terça-feira, 30 de junho de 2015

                                Gente de Fibra:
Vina Ramires
   
Hoje quero contar a história de uma senhorinha muito conhecida de todos na cidade. É sobre a Etelvina Lustoza Ramires, que está completando oitenta anos de idade.
Vina como é conhecida nasceu em Guararapes em 1935. Filha de EmílioLustoza e Amélia Granja Lustoza, veio com três anos de idade para Mirandópolis. A família administrou a Padaria São João por algum tempo. Mas, logo o seu Emílio passou a trabalhar para o senhor Belmiro Jesus,  derrubando as matas para instalar sua fazenda. Fazenda que hoje é propriedade da Família Mustafa. Naquela época, década de 40, a nossa região era toda coberta por uma densa floresta, e era preciso derrubar as matas, para se iniciar uma lavoura. Atuou também como boiadeiro juntamente com dois filhos, buscando o gado em Mato Grosso. A boiada era conduzida pelas estradas de terra, a toque de berrante e vigiada por trabalhadores conhecidos como boiadeiros. Era um serviço duro, muitas vezes levando meses fora de casa, enfrentando todas as intempéries, dormindo à beira de estradas e cozinhando um feijão nas trempes improvisadas, que os boiadeiros comiam com farinha...
    Vina tem a lembrança de um irmão seu tocando o berrante toda vez que, se aproximavam da fazenda ao retornarem dessas longas viagens.
     Belmiro Jesus e dona Vera, que foram os proprietários da Serraria Jesus, eram pessoas boníssimas e tratavam os empregados da fazenda com muita atenção, visitando suas casas sempre. O homem tinha muitas posses e, adquiriu até um avião para facilitar suas idas e vindas de Presidente Prudente, onde realizava muitos negócios. Tinha até campo de pouso para seu avião lá na fazenda. E fundou um Aero Clube na cidade, com aulas de pilotagem.
     A vida transcorria tranquila para a família de Vina, mas uma tragédia iria mudar tudo. Seu pai Emílio Lustoza faleceu de repente. Tinha apenas 57 anos de idade e, seu filho mais velho só tinha 17 anos.
     Como herança, seu pai havia deixado um sítio para a família, mas por não saberem administrar direito acabaram perdendo-o. Sua mãe ficou desarvorada, e acabaram se mudando para a cidade. O irmão mais velho e um cunhado compraram um caminhão e faziam viagens, para conseguirem dar conta das necessidades. Depois, o irmão foi trabalhar de administrador numa fazenda. Vina, sua irmã e sua mãe foram morar com a irmã casada em Araçatuba, onde a moça trabalhou na Loja Eletrolux e nas Casas Pernambucanas. Depois de um certo tempo, voltaram para Mirandópolis e foram morar na Vila Jesus, que era um conjunto de casas de tábua, que o senhor Belmiro mandara construir para seus operários da Serraria. Ficava à beira da linha, e lembrava aqueles vilarejos que apareciam em filmes do velho Oeste Americano, e era exatamente onde hoje é o Bairro Sampaio. Aqui,Vina trabalhou no Escritório de Belmiro Jesus, na Auto-Peças de Altino Antunes e nas Casas Pernambucanas.
 Nessa época, Vina já era uma mocinha e gostava do footing, que acontecia diante do Cine São João, que se localizava entre a atual Farmais e o Maeda. O footing era lugar de passeio, onde as meninas circulavam para ver a rapaziada. E aí, conheceu o jovem Osvaldo Ramires da Padaria São João. Isso foi em 1953... Em 1955 se casaram, e então, a Vina parou de trabalhar.
     Seu esposo, que era Escriturário no Hospital Geral, fez um Curso na Fundação Getúlio Vargas, e seria promovido a Diretor de Finanças e atuou por mais ou menos vinte anos no atual Hospital do Estado.
     Como não fora possível fazer os estudos regulares, por morar em fazenda distante da cidade, depois que teve três filhos, Vina decidiu estudar Contabilidade, porque a Escola de Comércio ficava exatamente em frente à sua casa. Com o apoio do esposo conseguiu terminar o Curso, pois queria ter mais conhecimento para ajudar os filhos nos estudos. E passou a trabalhar no Hospital como Auxiliar de Cozinha. Depois foi promovida a Copeira e finalmente a Costureira do Hospital, onde confeccionou muitos aventais para médicos e pacientes, além de roupas para os leitos. Sua companheira de costura foi a Mariquinha Rosado, e lá atuaram por muitos anos. Por fim, passou a ser Auxiliar de Finanças, trabalhando com o esposo Osvaldo, que era o Diretor.
    Lembra com saudades dos Enfermeiros da época: Salomão, tia Rosinha, Lúcia Bronca, Lourdinha Codonho, Mariquinha e Deolinda Zanco.
     E os Médicos daqueles tempos que lembra são: Doutor Elmano Moreira Brandão, Dr. Ubiratan, Dr.Francisco Teothônio Pardo, Dr.Jener Vieira dos Santos, Dr.Yoshito Kanzawa e Dr.Roberto Yuassa. Lembra que todos eram médicos muito competentes e atenciosos para os pacientes. E o Diretor era o Senhor Francisco Tieri Neto, que era muito rigoroso em temos de higiene. Mas, quem deu o empurrão na vida do casal foi o Doutor Jorge Maluly Neto, que foi também Diretor do Hospital.
     Nessa época, Vina e Osvaldo costumavam cantar em duo, em todas as reuniões e festinhas, tanto familiares, como públicas. Eram muito requisitados para cantar. Cantavam em casamentos e em outras celebrações. E gostava de cantar “Creio em ti” de Altemar Dutra para o esposo, que apreciava muito essa canção. Hoje gosta muito de cantar “Chão de estrelas” de Sílvio Caldas e “Ave Maria do Morro” de Herivelto Martins.
     Como aconteceu com a mãe, Vina também ficou viúva muito cedo. Seu esposo Osvaldo faleceu com apenas 42 anos de idade. Vina ficou desarvorada... Mas se lembrou da mãe que passou tanto tempo chorando a morte do esposo, que ficou com as faces marcadas... E resolveu que não faria a mesma coisa. Enfrentou a vida dura que a esperava com um sorriso no rosto, a ponto de ser chamada maldosamente de “Viúva alegre”por alguém. Isso magoou o seu filho Renato, fazendo-o chorar. Mas, a Vina tirou de letra essa passagem, porque as urgências da vida requeriam muita ação. O esposo havia deixado um sítio com gado. E tudo era questão de administrar. Em 1975, ano seguinte ao falecimento do esposo, veio a famosa geada, que destruiu todas as pastagens e cafezais. Sem muito tino para ser lavradora, tentou financiamentos no Banco, mas não deu certo. Montou uma Leiteria, que também deu em nada. Por fim, vendeu o gado e perdeu tudo. Etelvina que parecia uma menina predestinada a ter tudo nesta vida, porque quando criança fora muito mimada pelo fazendeiro Belmiro Jesus, teve que enfrentar mil percalços para dar conta da vida. Ficou órfã cedo e sofreu com a família, duras necessidades e quando casada perdeu o esposo muito cedo.
     Mesmo assim, não perdeu a coragem e batalhou para encaminhar os filhos: uma das filhas é Comerciante, a outra é Funcionária do Estado assim como o filho. Além deles tem três netos. Uma das lembranças mais emocionantes que tem, foi a de ter cantado diante do corpo do querido esposo, na missa antes do funeral... Cantou a canção que ele mais amava “Creio em ti”. Chorando...
               E uma doce lembrança que ela tem é, ter assistido ao Senhor Delmiro Luiz Rigolon desfilando a pé, como o primeiro Prefeito eleito, à frente de uma Banda tocando no aniversário da cidade...
    Hoje, completando já oitenta anos de vida bem vividos, participa da Ciranda e canta as mais belas canções, para a alegria de todos.
    Etelvina Ramires, Mulher feliz, que leva a vida num sorriso permanente, que venceu todas as batalhas da vida é, realmente Gente de Fibra!
     Mirandópolis, junho de 2015.
     kimie oku in
     http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/



sábado, 20 de junho de 2015

                               Festa junina
   E ontem fizemos a festa junina da Ciranda. Foi na Chácara do seu Albertino Prando, como sempre.
Estava um dia friozinho, mas bem agradável, propício para a festa.    
Compareceu tanta gente, que se derramava do barracão.
      Havia pastéis e cachorro quente em profusão, quentão, chocolate quente, pipoca, paçoca, pé de moleque, bolo de fubá, canjica e suspiro... Havia tanta comida para alimentar um batalhão...
Seu Albertino fez uma fogueira para relembrar as antigas festas de São João e, o Zé Maria assou umas batatas doces no braseiro.
            A novidade do dia foi a chegada do Milton Lima, que ajudou a fundar a Ciranda há quatro anos atrás, e agora reside em Campo Grande. Milton foi festejado pelos cirandeiros, porque é uma pessoa muito querida. Trouxe consigo o companheiro que toca violão, Miro e a sua esposa. De músicos, o grupo foi bem servido: Albertino e Gerval como sanfoneiros, Zeferino, Jovanini, Miro e Milton como violeiros, e Agnaldo como pandeirista. E o João sem-terra como cantador.
    
  Após os abraços e cumprimentos de costume e um cafezinho da dona Cleusa, todos foram afinar seus instrumentos. Quando a música encheu o espaço, os cirandeiros começaram a cantar. E estavam bem afinados. Uns cantavam, outros dançavam e outros só rebolavam. Havia gente vestida à caráter de caipira, e o colorido deu o ar de festa junto com a dança e a música. A turma estava tão animada na cantoria que não houve espaço para brincar de ciranda.
      Houve uma pausa para o senhor Orlandinho declamar seus poemas, como gosta de fazer. E o Dedé cantando, cantando se esqueceu das batatas no braseiro. A maioria virou carvão. Mesmo assim, salvou algumas que foram bem disputadas.
      De repente no meio da tarde, chegaram os convidados da AMAI (Associação Mirandopolense de Assistência aos Idosos). E aí foi aquela alegria. Todos dançaram e cantaram com muito entusiasmo. E eles queriam ficar mais um pouco, mais um pouco...
      E assim foi a Ciranda de junho, uma festa só de muita alegria e música. Quando todos se foram, a fogueira estava apagada e o dia já estava escurecendo.
      No mês que vem tem mais!


      Mirandópolis, junho de 2015.
      kimie oku in



           



O Enigma de Kaspar Hauser



A história de Kaspar Hauser é um mistério que a História nunca conseguiu desvendar. É muito intrigante e inexplicável.
Já cheguei a fazer referência sobre ele, numa crônica intitulada Civilização Corrosiva, mas é um caso que continua a me intrigar.
Numa bela manhã de maio de 1828, apareceu na praça da cidade de Nuremberg, Alemanha, um estranho jovem de seus quinze, dezesseis anos. Estava de pé, numa postura estranha, não sabia conversar, não entendia a fala das pessoas e nem conseguia andar direito. Parecia um garoto selvagem e anormal.
Trazia consigo uma bíblia e uma carta anônima, explicando que seu nome era Kaspar  Hauser, e fora criado num porão até aquela data, sem nenhum contato humano. A carta era endereçada ao Capitão da Cavalaria local. O jovem que tinha uma expressão totalmente alienada só sabia repetir: “Quero ser um cavaleiro como foi meu pai”
Ao ser descoberto, foi conduzido ao Capitão da Cavalaria, que tentou, por todos os meios disponíveis na época, descobrir a proveniência do garoto. Tudo em vão. Ninguém sabia dele. E como ele não sabia se comunicar, foi impossível desvendar a história. A aparição dele provocou grande agitação na cidade.
       Inicialmente, por não saberem lidar com ele, prenderam-no numa torre. E lá iam todos os curiosos, para ver a criatura assustada, que lhes parecia um bicho de outro mundo. Os moleques da cidade gostavam de provocá-lo, com coisas que ele não conhecia, como uma galinha, que soltavam no quarto dele, e o deixavam acuado. Era apenas um menino apavorado, num mundo totalmente novo e desconhecido. Ali, justo no meio humano, conheceu o medo...
       Então, alguém teve a ideia de colocá-lo num circo, junto de anões e índios para virar atração dos curiosos.  E o povo se deliciava de ver aquela criatura desajeitada, sem nenhum traquejo social, ser apresentada como se fosse um marciano. Ele não compreendia nada do que ocorria ao seu redor, porque nunca vivera numa sociedade. Não entendia a razão do interesse obsessivo das pessoas por si.
       Felizmente, um Professor viu o garoto e penalizado de sua situação, ofereceu-se para cuidar dele.  Inicialmente  ele só sabia dizer “cavalo”, que era um brinquedo de madeira, que  possuía no buraco onde viveu, e a frase “Quero ser um cavaleiro como foi meu pai”. Ele falava como um autômato, porque alguém lhe dissera para assim proceder, mas não sabia o significado de pai, nem de cavaleiro, porque nunca tivera contato com nenhum deles.
        O Professor o levou para casa, e num ambiente familiar, foi aos poucos, ensinando a falar, a escrever e a conhe cer o ambiente que o cercava. Além disso, ensinou a comportar-se socialmente, tarefa difícil, porque os padrões da época eram muito rígidos e não aceitavam meias medidas. O pároco e as beatas da localidade ficavam escandalizados, com as reações inesperadas do menino. Evidentemente, ele não conhecia normas sociais. 
     Mas, Kaspar se revelou um garoto de inteligência normal, aprendeu tudo rapidamente, e chegou a tocar piano, que apreciava muito. Era puro, e surpreendia seu protetor com perguntas, muito inocentes e inesperadas. Achava que as coisas tinham vida própria, enxergava muito bem no escuro e ouvia "os gritos do silêncio." Devia ser consequência de seu longo e solitário confinamento...
      Entrementes, as investigações sobre sua origem prosseguiam por toda a Europa.  Ficou conhecido como “o filho da Europa”. Baseado no livro de orações, que ele portava quando apareceu em Nuremberg, levantaram a hipótese de pertencer a alguma família nobre. Aventou-se também a possibilidade, de ser um neto bastardo de Napoleão Bonaparte, por haver semelhança com a história de um parente do Imperador. Recentemente, essa possibilidade foi descartada com os testes de DNA.
       As pesquisas porém, foram interrompidas, por causa da morte repentina de Kaspar em 1833, vítima de um atentado à faca no peito. Ele fora atraído para um encontro com uma pessoa estranha, que lhe prometera revelar quem eram seus pais. Seu assassinato despertou mais suspeitas, pois alguém não queria que descobrissem a   sua verdadeira origem.
     E com isso, ficou a história truncada desse menino, que só viveu aproximadamente dezoito anos, descartado ao nascer, retirado do convívio humano e que viveu quinze anos encerrado numa masmorra.   O inocente morreu, sem saber  as razões de seu desterro... e que família era essa, que o banira de suas vidas...
       Após o inexplicável atentado, que resultou em sua morte, o Rei da Bavária ofereceu um valioso prêmio, para quem descobrisse o autor do atentado. Infelizmente, ninguém conseguiu descobrir nada. E hoje, passados já 179 anos de sua morte, o mistério continua.
     Em 1974, Werner Herzog, famoso cineasta alemão contou a história desse menino no filme “Cada um por si e Deus contra todos”, que em versão portuguesa, ficou conhecido como o “Enigma de Kaspar Hauser”.
     A história de Kaspar já foi estudada por sábios de todas as áreas do conhecimento humano, e os livros escritos sobre ele são milhares, mas a sua origem nunca foi  decifrada.
      “Aqui jaz um desconhecido assassinado por um desconhecido” é o epitáfio sobre o seu túmulo em Ansbach, na Alemanha. Epitáfio, que resume de forma tão verdadeira, a passagem desse jovem por este mundo.
       Kaspar Hauser, será que um dia desvendarão seu enigma?
     
      Mirandópolis, 12 de fevereiro de 2012.
kimie oku in



segunda-feira, 15 de junho de 2015

                       Lazinho - por Milton Lima  
  
Trabalhando na Enfermaria de um Hospital, veio para os meus cuidados um pobre e desidratado caminhante. Chamava-se Lázaro, mas era conhecido como Lazinho.
      Não queria tomar banho nem aceitar os tratamentos. Convenci-o com muita astúcia dizendo que, eu era barbeiro profissional e cortava o cabelo de todos os pacientes. Ele acreditou com a confirmação de outro paciente, meu cúmplice. Concordou e tomou banho, cortei os cabelos, as unhas e apliquei os medicamentos necessários para a sua recuperação, que não demorou muito. Antes, porém consegui com o chefe da Lavanderia que, guardasse um cabo de enxada e um sacão com tudo que pertencia ao paciente. O homem insistia em jogar tudo no incinerador. Fui até a sua sala e disse que aquilo tinha muito valor. Valor altíssimo, pois era o mundo do Lazinho. Era tudo que ele possuía. O chefe não gostou, mas atendeu ao meu pedido e guardou.
      Como havia aprendido com a Professora Irmã Lacy, naquela profissão eu devia me inteirar dos problemas do paciente, interessar pelo seu mundo, do qual ele estava afastado temporariamente, ajudá-lo o máximo possível e assim ganhar sua confiança. Dizia ela em suas aulas: “Quem não conseguir isso, troque de profissão!”
      Assim aconteceu e o Lazinho ficou sendo meu amigo. Me chamava de Armito (meu nome é Milton). Tornou-se um paciente maravilhoso para o bem de sua recuperação, que demorou menos do que os médicos calculavam. No dia de sua alta, eu estava de plantão. Ele não conversava com a equipe. Comigo conversava o necessário. “Seu Armito, cadê o saco com as minhas coisas, o senhor guardou?” “Sim” Fui buscar e lhe entreguei. Entreguei também o pau.
      E ele foi embora por caminhos sem rumo...
      Um dia, encontrei-o a dois quarteirões de minha residência. Cabeça baixa, só olhava a metade do corpo de outra pessoa, mas me reconheceu. Aproximou-se e:
      “Seu Armito, o senhor está bom?”
      “Bem, e você Lazinho?”
      “Onde o senhor mora?”
Abaixei um pouco a coluna e mostrei no descampado de dois quarteirões, a casinha branca onde eu morava. E completei: “Vai lá” Ele olhou e fez: ”Hum”
      E já distanciando resmungou: “Tou indo pra Aliança!”
      Aliança era um bairro bem distante. Respondi: “Vai com Deus!”
Lazinho era um andarilho conhecido nos sítios e fazendas. De vez em quando aparecia na cidade, e desaparecia do mesmo jeito. Às vezes, demorava tanto que surgiam histórias mentirosas relatando com detalhes a sua morte.
Passado muito tempo fui avisado que o chefe da Enfermaria queria falar comigo. Fui até a sua sala e:
“Pois não! O que deseja de mim?”
“Estamos com um problema sério no ambulatório e fiquei sabendo que só o senhor pode ajudar.”
“De que se trata?”
“Tem um paciente lá embaixo que precisa urgentemente de internação. Encontraram-no caído numa valeta de enxurrada. Situação periclitante! Está muito bravo, até ameaçando pessoas e diz que só ficará internado aqui, se seu Armito for lá! Seu Armito é você?”
“Sim, sou eu. Deixe comigo, eu sei de quem se trata, estou indo para lá.”
Cheguei e pedi que todos saíssem. Estava quase morto, um molambo, um trapo de gente balbuciando palavras sem nexo. Se achava perdido. Magrinho de fazer dó, cor de palha. Anemia profunda. A pele parecia um pano branco encardido. De fraqueza e frio tremia ainda encharcado de barro. Fechei a porta para conversar. Segurei firme uma das mãos, com calma ele me reconheceu. Enrolei-o da cabeça aos pés com um cobertor grande. Aqui vou resumir o relato para apenas dizer que, depois de alguns minutos ele já estava calminho na Enfermaria, tomando soro sob meus cuidados.
O chefe veio saber e queria vê-lo. Não consenti e expliquei:
“Não entre aqui agora, o paciente pediu isso a mim e eu prometi que faria isso por ele. Ele está calmo mas poderá se alterar novamente.” O chefe compreendeu e foi embora.
Novamente acontecera o que já relatei da outra internação. Mas desta vez no dia da alta, ele fez um comentário. Aproximou-se para que eu compreendesse bem, e falou:
“O senhor é bom, igual seu Geromo.”
Seu Geromo a que ele se referia era um fazendeiro da região.
Perguntei: “Por que?”
“Seu Geromo não atiça cachorro, dá café e deixa eu dormi no rancho dele. Ele é bom, o senhor tamém é bom.”
Aquilo me fez refletir: “Seu Geromo é bom mesmo. Eu estou fazendo apenas a minha obrigação, sou pago para cuidar dos pacientes. Preciso melhorar."
Depois dessa segunda passagem pelo Hospital, o Lazinho sumiu novamente. Temporada longa sem notícias...

Do livro “Um pouco de açúcar branco” de Milton Lima.

Milton Lima é um cidadão que morou muitos anos em Mirandópolis, onde exerceu diversas atividades como Enfermeiro e como funcionário da CESP. No livro que publicou recentemente há crônicas e poemas, que falam das saudades da vida do campo. Foi um dos fundadores do Grupo Ciranda, que tem o objetivo de proporcionar momentos de lazer, para os idosos solitários da cidade. Atualmente, mora em Campo Grande e está sempre ligado com os cantores e compositores que cultivam a música caipira de raiz. Sua qualidade maior é a generosidade de seu coração, que exerce acompanhando amigos idosos e solitários para tratamento no Hospital de Barretos...

Mirandópolis, junho de 2015.
kimie oku in





terça-feira, 9 de junho de 2015

       Presente do João 

 Quando se aposenta, qualquer cidadão passa por uma situação de insegurança e desconforto, por ter saído do ninho. Ou ter sido jogado fora como um pássaro sem saúde, sem condições de sobrevivência...
Mesmo que a aposentadoria seja o sonho dourado de uma vida toda de trabalho, quando ela chega causa um choque, que balança toda a estrutura da pessoa. A rotina que era tão certinha e organizada perde sentido, e os dias ficam longos e vazios. Não há mais obrigação de acordar cedo, de ligar o despertador, de correr para cumprir agenda, porque há tempo de sobra...
Tomar o café da manhã demorado para esticar a hora, por não ter o que fazer depois... Ler os jornais nos mínimos detalhes, coisa que nunca havia feito antes... É preciso administrar as horas do dia, para preenchê-las...
Os primeiros dias do aposentado podem ser alegres, pela libertação da rotina de obrigações... Mas, devagarinho vai ficando sem graça e sem sentido, porque o tempo vai sobrando e não há como usá-lo de forma produtiva e agradável.
Tive uma amiga que se queixava sempre que a Escola havia lhe esquecido... Que ninguém a convidava para participar dos eventos da Escola, onde havia dado o seu sangue como Professora... Ela se revoltava com o esquecimento...
Entretanto, acho que não é a Escola que deverá carregar a aposentadoria de seus funcionários... Cada aposentado deve se inserir no meio em que irá viver a partir de então, e programar sua vida para que ela flua de forma serena, organizada, útil e sobretudo ocupada. Porque o vazio dos dias acabará matando a pessoa de tristeza.
E a Escola ou outra sede de trabalho não poderá carregar os aposentados pela vida afora, porque os problemas de cada dia requerem soluções imediatas de quem está na ativa. Os aposentados seriam um estorvo... Que já deram o que tinham que dar e, devem ceder o lugar para os novos, os jovens...  Ninguém é insubstituível, a não ser as pessoas que amamos, como diz o nosso querido Dr. Roberto Yuassa. Mas, tem gente que se acha competente demais, e não larga o osso. Reconhecer sua limitação e a capacidade de outros é sinal de sabedoria. Aposentar-se e partir é a lei natural da vida. Deixar que os novos assumam.
Depois de um certo tempo de aposentado, o cidadão vai se acomodando e se organizando para viver o resto de seus dias, sem a ocupação que fora a razão de sua vida. Alguns, movidos ainda pela capacidade e talvez necessidade financeira, passam a exercer outras atividades e, acabam se dedicando de corpo e alma ao novo trabalho. (E muitas vezes, atrapalhando os jovens ávidos de trabalho). Outros, já cansados de tanto trabalho e estressados pela função exercida ao longo da vida, procuram se ocupar em atividades leves e recreativas como pescaria, futebol, jogos de truco e caxeta. As mulheres passam a colaborar nas Instituições da cidade, fazendo doces, artesanatos, ginástica e formando grupos de amigas...
Mas, uma coisa é certa. Todos sem exceção acabam se isolando de uma forma ou outra. Alguns ainda conservam a amizade e o contato de algum colega de trabalho, com quem irá conviver para sempre. Esses ficam em zona de conforto, porque não perderam o vínculo com o passado.
A maioria porém, parece que se muda para outro planeta. Vai se isolando e confinando no seu mundinho, onde parece não caber mais amigos... Embora a estima e a consideração continuem vivas. E a vida desses aposentados vai ficando triste, solitária, porque cada vez mais a solidão vai envolvendo-o, e o esquecimento acaba chegando. É como se fossem estranhos no ninho, que não querem mais voltar ao ninho antigo, porque lá não tem mais lugar para eles.
Então, a vida desses aposentados é recheada de saudades, de lembranças guardadas a sete chaves no coração. E a vida vai fluindo assim triste, isolada, esquecida.
E eis que de repente, uma pessoa querida acaba falecendo. Todos os ex-colegas levam um choque e devagarinho, vão chegando para lhe prestar a última homenagem.
E aí acontece o Reencontro.
E foi o que ocorreu com o funeral de João Mikio.
Chegaram, se abraçaram e lamentaram o momento. Momento triste de perda do amigo querido. E vieram todos os que moram na cidade e na redondeza, porque ele era uma pessoa muito querida.
E mataram as saudades dos longos anos de separação, conversando e trocando informações sobre famílias e sobre colegas, que partiram para outros locais. E outros que partiram para sempre... Embora o momento fosse de imensa tristeza, havia uma alegria contida no reencontro, no abraço, no olhar, no sorriso de carinho... Era como se tivessem recuperado o tempo perdido e voltado à Agência, onde pelejaram lado a lado por longos anos.
Esse foi o belo presente do João Mikio, que saiu desta vida em grande estilo e foi festar lá no céu.
Obrigada João, por ter proporcionado esse reencontro. Todos com certeza, serão gratos para sempre.

Mirandópolis, maio de 2015.
kimie oku in

terça-feira, 2 de junho de 2015

      Na Cozinha Caipira
  
   A Ciranda de maio aconteceu na Cozinha Caipira
com uma almoço. Foi na última sexta-feira, dia 29.
   Os cirandeiros começaram a chegar às onze horas e ficaram apreciando a paisagem campestre, as pastagens, o arvoredo, as galinhas do Dedé e as enormes jaqueiras. E mais que tudo, respirando a ar puro do campo. O dia estava ensolarado e bonito, apesar da chuva pesada de véspera. Um friozinho agradável.
O cardápio do dia era salada de legumes e folhas, arroz, feijão, frango com polenta, carne de panela e berinjelas à milanesa. Doces de leite e de mamão como sobremesa.
Após os abraços e cumprimentos, grupos se formaram para trocar notícias. Pouco a pouco as mesas foram todas ocupadas. E ao meio dia, todos se serviram para saborear a  comida caipira. Pena que a polenta esfriou rápido por causa do frio do dia. Após o almoço e pausa para conversar, os músicos Albertino, Gerval, Zeferino e Agnaldo encheram o espaço com o som das sanfonas, violão e pandeiro. E aí virou uma cantoria  bonita e afinada. Alguns cantavam, outros dançavam numa alegria contagiante. Até um cliente do Restaurante acabou aderindo à cantoria da turma e, outros pediram para a Sandra do Restaurante, que repetisse esse show em todas as sextas-feiras.

Houve uma pausa para a Kimie apresentar as novas cirandeiras: Pirulita e a Neide esposa do Gerval.
A tarde passou nessa cantoria só e não houve espaço para brincar de ciranda. Mas, foi uma tarde muito alegre, que animou todos os cirandeiros.
Após o café e a sobremesa, todos voltaram para suas casas, com o coração cheio de alegria, por terem passado umas horas agradáveis em companhia de amigos.
No mês que vem será uma Festa Caipira.
Até lá, cirandeiros!


Mirandópolis, maio de 2015
Kimie oku in




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