terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

                Ave Maria cheia de graça
   
   Depois que a gente passa por muitas dificuldades na vida, mesmo que a fé seja pouca, começa a orar para Deus ajudar todos os dias.
   Como sou uma simples mortal, também passei a rezar sempre, para Deus abrir os caminhos de meus filhos, e abençoar suas ações.
       Quando era mais jovem, vivia atropelada e só lembrava de Deus nas horas de agonia, de aflição. Hoje não. Desde que desperto, penso no Criador e agradeço por ainda estar viva... E com isso, relembrei as orações aprendidas na adolescência e passei a desfiá-las. Porque nada consola mais que uma oração.
       Nos momentos de grande angústia, de incerteza, de desespero, a única coisa que sei fazer é orar, Muitas vezes nem rezo as orações de praxe, falo diretamente com Deus, pedindo a sua orientação. Às vezes rezo baixinho, murmurando as palavras, outras peço em voz alta mesmo se estou sozinha... E Deus sempre ouve. Demora, mas ouve. Também, quantos milhões de pedidos deve ouvir a todo instante, e deve ser difícil atender a todos de imediato. E o estranho é que a gente sempre tem o que pedir. É hoje, agora, daqui a pouco, à noite, amanhã, depois... Sempre há um pedido novo... Porque nós somos insuficientes e incapazes, para solucionar tudo que a vida nos apresenta todos os dias...
       Acho que a vida seria impossível sem a oração. Como acalmar os anseios do coração, se não houvesse esse meio de diálogo com Deus?    
       A oração universal que o próprio Pai ensinou à humanidade é o “Pai nosso, que estais nos céus, Santificado seja o Vosso Nome, venha a nós o Vosso Reino, seja feita a Vossa vontade assim na Terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Amém.”
       Analisando o conteúdo dessa oração, percebe-se claramente que Deus deve ter ensinado a primeira parte. A segunda parte que é uma súplica, deve ter sido acrescentada pelos humanos... Porque é um pedido de sobrevivência e um pedido de perdão...
       Essa oração foi aceita por todas as religiões e conforta os seguidores de todos os credos, sem tirar o mérito de Igreja alguma.  Eu me lembro que mamãe a rezava, e ela era da Religião Messiânica... É uma oração que liga as pessoas numa mesma saudação e num mesmo pedido de perdão, por isso não provoca conflitos.
       Mas, a oração que gosto de desfiar sempre é a Ave Maria. Ensina a religião que, essa oração foi uma saudação do Anjo Gabriel à Virgem Maria anunciando a chegada do Filho de Deus através de Maria. Também tem o acréscimo feito pelos humanos, na segunda parte.  As palavras do Anjo Gabriel seriam essas: “Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, Bendita sois Vós entre as mulheres,Bendito é o Fruto de Vosso ventre, Jesus.”  E a segunda parte creio que foi feita pelos homens, porque também contém um pedido: “Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém.”  O Anjo não teria dito essas palavras, suponho, na minha limitada interpretação.
       Essa oração é tão bela que, artistas famosos de todas as épocas acabaram musicando-a. Existe a Ave Maria de Gounot, conhecida no mundo inteiro, que sempre emociona nos momentos de felicidade suprema, ou de infinita dor... Há a Ave Maria de Schubert que é tão doce e delicada... Cantadas por tenores e por sopranos famosos, não há como não se emocionar de ouvi-las...
       E parece que ela fica mais autêntica se cantada em latim, que era a língua oficial da Igreja de Roma: “Ave Maria, gratia plena. Dominus tecum. Benedicta tu in mulieribus. Et benedictus fructus ventris , Jesus. Ave Maria, Mater Dei, ora pro nobis pecatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amém.“
      Cantada por Luciano Pavarotti, por Plácido Domingo, por Andrea Bocelli, por Charles Aznavour, por Celine Dion, por Montserrat Caballe, por  Maria Callas e até por Roberto Carlos fica belíssima .    D izem que uma oração cantada vale por duas rezas. Acho que é porque ela emociona e toca os corações de todos que rezam e de todos que ouvem.
       A oração tem uma força que nada se lhe compara.
       Em certo velório de um amigo meu, cada pessoa da família estava chorando em diferentes lugares da sala, onde o falecido estava sendo velado. Era muito silencioso, e só se ouviam os gemidos e soluços dos familiares... Parecia não haver consolo para aquela dor individualizada... Nisso, chegou um amigo e resolveu rezar um terço. Começou a rezar timidamente... E os familiares foram chegando perto, e se abraçaram formando um grande círculo em volta do finado. E todos repetiam as orações, cada vez mais firmemente e os soluços foram se apagando. Quando as orações chegaram ao fim, toda a família estava abraçada e fortalecida, e as lágrimas tinham se apagado... Foi a força da oração, que sempre consola e conforta.
       Mas, voltando à Ave Maria. Ave significa Salve! Viva!  É uma saudação delicada de um Anjo para uma Santa. Então, Ave Maria seria o mesmo que dizer Salve, Viva Maria, Tu és bendita entre as mulheres porque serás a Mãe do Salvador. Linda mensagem, que só Ela teve o privilégio de receber.
       E por que cheia de Graça? Porque era pura, inocente e simples e fora escolhida por esses méritos. Também privilégio que só a Ela coube.
      E por que o Senhor é convosco? Porque Deus a abençoara para ocupar essa posição tão sagrada, entre todas as mulheres do mundo.
       E Bendito é o Fruto do Vosso ventre, Jesus. Bendito, porque benzido, bem amado, bem querido Filho de Deus.
       A segunda parte é uma súplica da criatura à Mãe do Criador, mostrando a fraqueza humana de pecadores que precisam de orações sempre e na hora da morte também.
       Gosto desta oração por ser muito bela. Nela existem palavras doces e suaves ditas com o máximo de reverência: Ave Maria cheia de graça. O Senhor está em Vós. És bendita entre todas as mulheres. Bendito é o Fruto de Vosso Ventre.
       E nunca é demais repetir essa oração para a mais pura das mulheres, para que interceda junto de Deus por todos nós.
       Então, vamos rezar outra vez?
       Ave Maria, cheia de graça...
        Mirandópolis, fevereiro de 2015.
       kimie oku in




quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

                                 No fim do arco-íris

    De acordo com uma lenda japonesa, nos dias em que há sol e chuva, no meio da floresta ocorre o casamento das raposas. Elas se vestem como humanos, e realizam a cerimônia com pompa e gala, como convém a um enlace matrimonial. Entretanto, os humanos não devem assistir a essa festa, que é das raposas, bichos ladinos e cheios de artimanhas...
Certo garoto japonês ouviu de sua tutora que, nunca se deve adentrar na floresta em dias de sol e chuva, porque as raposas estariam se casando e era proibido vê-las...  Bastou essa advertência, para despertar a curiosidade do menino.
        Num certo dia bem ensolarado, de repente começou a chover... E o garoto correu para a floresta, para conferir a história da ama. E realmente, ocorria o fato. Raposas vestidas com luxo e andando como humanos sobre duas patas desfilavam no meio da mata, onde chovia mansamente... Havia um acompanhamento musical, com flautas e tambores que marcavam o compasso dos noivos e convidados. O menino intruso, pasmo de ver a beleza da cena, ficou espiando atrás de uma árvore. Mas, o cortejo vinha em sua direção, e ele com medo resolveu fugir... Correu, correu e chegou em casa sem graça, por ter feito algo que lhe fora proibido... O portão da casa estava fechado, e ele chamou pela tutora várias vezes para abri-lo. E ela veio furiosa dizendo que, as raposas estavam muito iradas, por causa da sua intromissão na cerimônia de casamento. E lhe entregou um punhal para praticar o “haraquiri” ou suicídio cortando a barriga...  O menino sem outra alternativa, foi ao local da cerimônia de casamento e, pedindo perdão às raposas praticou o haraquiri... E no mesmo instante, ele se viu transportado para um vale todo florido, emoldurado por um belo arco-íris... Mundo de sonhos...

        Esta é uma lenda japonesa que sempre me encantou, e tive a oportunidade de assistir no filme Sonhos de Akira Kurosawa. Belíssimo.
 Existem mais lendas tão bonitas de outros países, como da Irlanda, cujos duendes vêm periodicamente, buscar as moedas que os aldeões colocam num sapato velho na janela. Esses duendes ouLeprechauns colecionam as moedas num balde, que enterram no fim do arco-íris. Daí , a lenda do pote de ouro no fim do arco-íris, que todo mundo já ouviu falar...
        O arco-íris é um dos fenômenos mais belos da natureza, que sempre me deixou encucada. Há uma explicação científica para sua formação, mas vê-lo surgir de repente num dia qualquer sempre me faz pensar... Como as sete cores vão parar lá no céu?  São palpáveis? Como é feita a graduação das cores, para uma não apagar a outra? Como é possível uma curvatura tão perfeita? E por que, quase sempre aparece um segundo arco, como se fosse a sombra do primeiro?  Perguntas sem respostas... Já li que, tem a ver com o reflexo da luz solar sobre as águas dos rios e mares... Mas, mesmo sendo uma explicação verdadeira, deixa a cabeça da gente cheia de indagações...
        E não há quem não se encante de vê-lo surgir de repente no céu. Muita gente diz que quando ele aparece, os desejos e sonhos das pessoas se realizarão... Quem dera fosse verdade! Cada um interpreta conforme suas aspirações...Já vi arco-íris se formando sobre quedas d’água, sobre cascatas... E fica mais bonito sobre a água branca que vai jorrando do alto. Está realmente comprovado que ele se forma junto às águas. Nunca ouvi falar de arco-íris em desertos... Também já disseram que as cores não existem de per si. Elas se manifestam com a claridade do sol. Se não houvesse a luz do sol, cores não existiriam... Seria um mundo muito triste sem cores...
        De qualquer forma há fatos nesse mundo que são difíceis de explicar. E como disse Shakespeare; “Há mais mistérios entre o Céu e a Terra do que supõe a nossa vã filosofia”
       

       
         Mirandópolis, fevereiro de 2015.
        kimie oku in

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

                                Música caipira

“Nestes versos tão singelos, minha bela, meu amor...
       Pra você quero contar o meu sofrer, a minha dor...”
Antigamente, por puro preconceito não gostava de música caipira. É que os peões ou camaradas do nosso sítio cantavam essas modas, e cantavam muito mal. Com voz fina e estridente. E ainda achava-a pobre, e cheia de erros de ortografia e de gramática. Era uma época cheia de preconceitos, e eu nunca havia pensado que poderia estar enganada, seguindo a corrente comum ou a moda, que rejeitava a música caipira.
    O tempo passou, e tudo mudou. A música caipira recebeu o cognome de “sertaneja”, que virou moda para todo mundo. E foi cantada e embalada nas festas de peão, de rodeio e outras barbáries que maltratam os animais para a diversão dos homens. E depois mais recentemente, virou “sertaneja universitária”, com a intenção sub reptícia, de lhe dar uma conotação cultural... Mas, a moda caipira pegou, pegou de vez. E os defensores de música caipira de verdade introduziram a expressão “música caipira de raiz”, querendo com isso resgatar a verdadeira música, como era nos primeiros tempos. Música mais simples que canta as belezas da natureza, a vida na roça e o trabalho no campo.
De qualquer forma, com a Ciranda e com as cantorias dos amigos, enfim descobri a beleza da música caipira. Ela pode ter erros gramaticais e de ortografia, mas a mensagem que passa é uma coisa linda, que não pode ser ignorada. Mesmo Adoniram Barbosa, poeta e sambista de São Paulo fez canções lindas escritas na linguagem coloquial do dia a dia, sem rebuscamentos e correções. Assim, ele cantava: “Arnesto nos convidou para um samba, ele mora no Brás/ Nóis fumo e não encontremo ninguém.../ Nos voltemo com uma baita de uma reiva...” E foi um tremendo sucesso. Todo mundo entendeu o seu recado.
Na música caipira tem muito disso, ou seja escreve-se a letra conforme o caboclo pronuncia as palavras, para dar autenticidade à história contada.
Recentemente, conheci “A mudança” de autoria de Caetano, Elba e Chico Amado. A dupla Chico Amado e Xodó é que canta entre outras coisas: “... catei um punhado de cinza e carvão/ lembranças que eu levo derradeiras/ da antiga fogueira do meu São João...” A dupla Gerval e Jovanini a tem cantado na Ciranda, e sempre os cirandeiros fazem um tour ao passado, ouvindo essa linda canção, que narra a história de mudança da roça para a cidade...
E de Lourenço e Lourival, também A mudança, sempre cantada com muita tristeza: “... Com certeza eu voltava pra lá/ e a primeira coisa que ia fazer/ Cair de joelhos e beijar o chão/ Arrancar a saudade do meu coração/ E de lá sair só quando eu morrer...”
E falando em passado e fazendas, nada mais belo que O Rancho fundo de Ary Barroso e Lamartine Babo: “No rancho fundo, bem pra lá do fim do mundo/ onde a dor e a saudade/ contam coisas da cidade... No rancho fundo de olhar triste e profundo/ um moreno canta as mágoas/ tendo os olhos rasos d’água...”
E vida na roça tinha carroças e cavalos... Cavalo preto de Anacleto Rosa Jr.: “... Tenho um cavalo preto por nome de Ventania/ Um laço de doze braças de couro de uma novilha/ Tenho um cachorro bragado que é pra minha companhia/ Sou um caboclo folgado, ai eu não tenho família...”
E o cidadão que perdeu a liberdade vai medindo o tempo, com o crescimento de um Ipê florido de José Fortuna e Paraíso: “... Meu ipê florido, junto a minha cela/ Hoje tem altura de minha janela/ Só há uma diferença entre nós agora/ Aqui dentro as noites não têm aurora/ Quanta claridade tem você lá fora! ... “
E do Pantanal mato-grossense tem a belíssima Chalana de Mário Zan: “...Oh! Chalana sem querer/ Tu aumentas minha dor/ Nessas águas tão serenas/ Vai levando meu amor...”
Sempre contando dramas vividos por caboclos por esse Brasil afora, a música caipira se esmerou no drama de Chico Mineiro de Tonico (da dupla Tonico e Tinoco) e Francisco Ribeiro: “... Larguei de comprar boiada/ Mataram meu companheiro/ Acabou-se o som da viola/ Acabou-se o Chico Mineiro...”
Mais dolorido que isso, porque o caboclo gosta de contar histórias muito tristes, é sem dúvida nenhuma, a história de O menino da porteira de Teddy Vieira e Luisinho: “... Lá pra banda de Ouro Fino levando gado selvagem/ Quando passo na porteira até vejo sua imagem/ O seu rangido tão triste mais parece uma mensagem/ Daquele rosto trigueiro desejando-me boa viagem...”
E assim, aprendi a amar a cultura de nosso caboclo, que canta a passagem do tempo, as mudanças no estilo de vida, as saudades de um passado que não volta mais, e as lembranças que alimentam nossa alma...
“... Nesta viola, canto e gemo de verdade/
 Cada toada representa uma saudade...”
Mas, vou ficando por aqui, porque há muito que contar e cantar, mas... “... É tarde, eu já vou indo... Preciso ir-me embora. Té manhã! Té manhã! Té manhãããããã....

       Mirandópolis, fevereiro de 2015.
 kimie oku in