quarta-feira, 30 de outubro de 2013

          Gente de fibra :
                Gilberto Ferreira

         
        Há uns dois anos, acabei me envolvendo com amigos sobre um projeto de registrar a história de Mirandópolis. E passei a escrever sobre fatos ocorridos no passado e, pessoas que foram importantes para o seu desenvolvimento.
        Constatei então que, há três pontos de referência, que caracterizam a cidade de Mirandópolis que são a bela Igreja Matriz São João Batista, obra do Padre Epifânio Ibañez, a Praça Manoel Alves de Ataíde que leva o nome de seu fundador e a Estação Ferroviária denominada Mirandópolis.
      E volta e meia, o assunto dos antigos moradores gira sobre esses três pontos: a Igreja, o Jardim e a Estação. É porque todos os que aqui moraram têm na lembrança algum fato ligado a esses lugares. O batismo, a primeira comunhão, o casamento na Igreja; o footing, o namoro, a passagem pela Praça a caminho da escola; e a espera de trens que chegavam e partiam da Estação.
       E não há um cidadão que não lamente o estado deplorável, em que se encontra a nossa antiga Estação Ferroviária. Já escrevi sobre ela e alguns amigos também o fizeram, mas, hoje quero contar a história de quem administrou a Estação por um bom tempo.
     
  O senhor Gilberto Ferreira é gente de fibra da semana.
    Gilberto nasceu em Aquidauana em Mato Grosso do Sul, em 1935 e lá morou e iniciou os estudos.
       Em 1950, mudou-se com a família para Miranda, em Mato Grosso do Sul também, onde começou a trabalhar como mensageiro na Estação Ferroviária local. Tinha apenas 15 anos de idade. Carregava a correspondência e aí teve contato com o telégrafo e o código Morse, que é uma linguagem cifrada com pontos, traços e sons. Conheceu o Telégrafo Espagnolete de duas teclas.
         A Estrada de Ferro era a Noroeste do Brasil que ligava Brasil a Bolívia. Após três meses, foi transferido para Água Clara já realizando todos os serviços de escritório. Nessa Estação havia cerca de dezessete funcionários. Prestou serviços aí até 1960.
         Quando era telegrafista ocorreu um problema, porque as ordens de cima eram que, as mensagens cifradas do telégrafo deveriam ser reproduzidas ao pé da letra, mesmo estando incorretas. Alguém mandara uma mensagem em que estava escrito “Monsinhor”, e seu Gilberto a reproduziu corretamente, escrevendo “Monsenhor”. Foi punido com um dia de suspensão, porque a mensagem enviada e a recebida não coincidiram... E um dia de suspensão pesava no currículo e na carreira do ferroviário. Regras antigas.
    Em dezembro de 1960 foi transferido como Telegrafista para a Estação de Valparaíso, no Estado de São Paulo. Havia onze funcionários, e aí permaneceu por apenas noventa dias.
       Foi remanejado para Andradina, como Responsável pelo Armazém de Cargas, onde permaneceu até março de 1962.   Armazém de Cargas era o depósito onde se guardavam os sacos de produção agrícola, antes de despachar para o destino final.
       Então, foi transferido como Chefe da Estação de Murutinga do Sul, onde ficou até 1972, quando a Estação foi fechada. A razão do encerramento de serviços da Estação foi a diminuição de passageiros e a crise do café, que abalou a economia do país.
       De Murutinga, onde concluiu os estudos até o 4º ano primário, foi nomeado Chefe da Estação de Andradina, onde trabalhou até 1977.
        E em 27 de julho de 1977 veio chefiar a Estação de Mirandópolis, onde atuou até a sua aposentadoria em abril de 1986. Em seu lugar ficou como Chefe da Estação o senhor Deoclides Maciel de Oliveira, que hoje mora em Três Lagoas.
        Como Chefe da Estação, seu Gilberto morou com a família que se compunha de sua esposa Romilda Azambuja, com quem se casara em Água Clara no ano de 1955, e com seus três filhos na casa anexa à Estação. Havia mais duas casas pequenas para outros funcionários. Era necessário pagar 8% do aluguel, mais a água e a luz consumida. O salário era razoável, havia uma pequena gratificação só pelos serviços noturnos. Mesmo trabalhando horas extras durante o dia, não recebia nenhuma gratificação. Para o Chefe havia uma pequena gratificação. 
   
 Enquanto a Ferrovia era da União, o uniforme era obrigatório e os funcionários tinham que comprá-lo. Quando passou a ser administrada pela Rede Ferroviária Federal S/A, composta de acionistas, o uniforme passou a ser fornecido pela empresa. O uniforme obrigatório compunha-se de sapatos pretos, camisa, calças, paletó e boné azul, sempre com a identificação da empresa bordada na lapela. Mais tarde, passou a ser boné vermelho com galões dourados.
    Mirandópolis possuía na época sete funcionários na Estação, para controlar a passagem dos trens. Diariamente passavam quatro trens passageiros: às 6,40 h. vinha de Corumbá MT para Bauru; às 10,30 h. de Três Lagoas MS para Bauru; às 8,40 h. de Bauru para Três Lagoas MS; e às 22,00 h. de Bauru a Corumbá MT. E havia ainda trens cargueiros.
     Quando os trens chegavam, a Estação fervia de gente que embarcava, que ia se despedir de quem partia ou ia receber os que chegavam. Muitas vezes, era difícil até para o Chefe se locomover na plataforma, por causa da multidão que ali se aglomerava. Parecia uma grande festa, porque ali aconteciam muitos encontros sociais. No pátio atrás da Estação, ficavam as charretes e os carros-táxi, para transportar os passageiros que chegavam para os seus destinos. Dos taxistas, seu Gilberto se lembra com saudades do seu Ohashi e seu Ishibashi.
       Quando seu Gilberto iniciou sua função aqui na Estação, o forte eram as sacarias de arroz, que chegavam para a Máquina de beneficiar dos Minari. Depois de descascado, era despachado para outros lugares, sempre através da ferrovia. Na época áurea do Arroz Minari, na esplanada enfileiravam-se cerca de cem vagões abarrotados de arroz. 
      Havia na época, o Viradouro que era uma extensão da linha férrea, ou desvio para as manobras das locomotivas, que seguiam sempre num sentido único. Esse Viradouro atravessava a Rua Rafael Pereira e, chegava às proximidades da Igreja Matriz, onde havia a Comercial Perez, que hoje abriga um Supermercado. Com o avanço da tecnologia e a criação de locomotivas que seguiam para frente e para trás, o Viradouro ficou inoperante, mas foi muito bem aproveitado pela Comercial Perez para despachar café beneficiado, e pela Serraria de seu Belmiro Jesus, que despachava tábuas serradas das toras retiradas da floresta local.
        Quanto aos trens passageiros, o seu Gilberto lembra que havia os trens comuns que se compunham de vagões de 1ª classe, com poltronas estofadas e de 2ª classe, com bancos de madeira. As passagens para a segunda classe eram mais baratas, e alguns passageiros levavam até animais. Havia ainda o carro-dormitório, que era bastante usado pelos passageiros que faziam longas viagens, como de Corumbá a Bauru, e vice-versa.

 Também houve o trem Litorina, que era um carro especial de luxo, com ar condicionado, que vinha de Araçatuba e seguia para Três Lagoas e vice-versa. O carro comportava quarenta passageiros e estava sempre lotado. A velocidade era maior, a setenta quilômetros por hora. Para o conforto dos passageiros, havia uma moça, que fazia o mesmo papel das comissárias de bordo dos aviões. Mas, os preços altos das passagens e a concorrência dos ônibus acabou por desativar as Litorinas.
    Seu Gilberto lembra de um acidente ocorrido em Água Clara. Esse acidente foi provocado por descuido do maquinista, que não obedeceu às regras impostas pela Ferrovia para a segurança geral. A velocidade dos trens era de apenas 55 quilômetros por hora, mas para não ocorrer problemas, as linhas eram controladas e só liberadas quando completamente sem tráfego no trecho. E isso era feito por bastões, onde estava escrito o nome da estação mais próxima, dando sinal de liberação. O staff era encarregado dessa função.
       Também havia bandeirinhas, que o staff mostrava para o maquinista do trem, que vinha chegando à Estação. A bandeira vermelha indicava que o trem deveria parar; a verde pedia marcha vagarosa e a branca para o trem prosseguir. Essas bandeiras eram usadas durante o dia. À noite, usava-se um lampião, com essas três cores padronizadas, com o mesmo  objetivo. Quando o trem partia, o maquinista tocava um sininho alertando os passageiros e os transeuntes, que o trem ia partir. E sempre partia em marcha lenta, que ia acelerando à medida que se afastava da Estação.
        Os trens passageiros pararam de circular na região por causa da concorrência dos ônibus, cujas linhas foram tomando conta do interior, à medida que estradas foram sendo abertas e asfaltadas. Os ônibus passavam em cidades retiradas para onde os trens não podiam ir, por falta de linhas férreas. E assim em 1995 os trens passageiros foram desativados. Em Mirandópolis hoje só passam os trens cargueiros, transportando combustível e maquinários. Só passam por Mirandópolis. A Estação foi desativada e a ferrovia é utilizada para os trens que se dirigem a Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Bolívia.               
      Seu Gilberto lembra-se dos companheiros de trabalho: Seu Deoclides, Vital, João Torrente, Miguel Silva. Modesto...
     Hoje, seu Gilberto de 86 anos de idade, mora com a esposa Romilda numa propriedade onde cria gado leiteiro.  Leva uma vida tranquila, tem dois filhos, cinco netos, e dois bisnetos, além de um genro e uma nora. É um homem feliz e realizado, que sonha curtir a vida com a família até a sua partida final.
        Gilberto Ferreira, cidadão mato-grossense, que se dedicou às atividades ferroviárias durante 36 anos, memória viva de um  tempo que passou, é sem dúvida Gente de fibra!

         Mirandópolis, setembro de 2013.
         kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/

         Legenda:
                   1. Trem partindo de Mirandópolis
                   2. Despedida  por aposentadoria
                   3. Bandeirinhas sinalizadoras
                   4. Aparelho de comunicação
                   5. Aparelho  de comunicação
                   6. As netas
                   7.  O uniforme
                   8. Antigos funcionários da Estação





segunda-feira, 21 de outubro de 2013



                               Três anos cirandando

       No dia 15 de outubro de 2010, na Cozinha Caipira realizamos o primeiro Encontro da Ciranda.

       Naquele dia, estavam presentes o senhor Mário Varela, a Ana Maria Jacomelli, o Egídio Vicente, o Mílton Lima, a Ikuko Kazi, a senhora Mary Magro e a jovem Poliana Ventura, que abraçaram a minha ideia de, proporcionar uma tarde de alegria para os idosos, que vivem sozinhos nesta cidade.
         Ao primeiro encontro conseguimos levar o Professor Walter Sperandio, acompanhado da professora Rachel e mais uns dez idosos que aceitaram o convite.
       Tivemos uma tarde maravilhosa, em que brincamos de  cirandar, cantamos com o senhor Pedro Squinca alternando-se com o senhor José Olynto ao violão. Ao final do dia estava  decididamente estabelecido o Grupo Ciranda, porque todos pediram mais encontros.
        De lá para cá se passaram três anos. E durante esse tempo, perdemos a dona Luisinha Cury, o senhor Egídio Vicente, a dona Lurdinha Codonho, a dona Maria Menegatti, o senhor Jorge Cury, o Professor Aristides Florindo e o Professor Walter Víctor Sperandio, que foram cirandar no céu...  E do Grupo de Apoio perdemos o senhor Varela, a Ana Jacomelli, a Poliana, a Chiquinha e o Mílton, que por mudança de residência e motivos outros, deixaram de participar.
      Mesmo assim, outros voluntários foram aderindo e apoiando o Grupo, como a Professora Flora, o seu Albertino Prando e dona Cleuza, que nos cederam a Chácara para os Encontros, a Jane Meire Chossani, sua mãe dona Fermina e o Osvaldo Valverde que cozinham muito bem, o Professor João Torrente, que está sempre disposto a conduzir os convidados para suas casas, e o Professor Gabriel, que também é uma pessoa preocupada com o bem estar das pessoas, que vivem sós. Outro colaborador que é pau para toda obra é o senhor José Maria de Carvalho que, juntamente com a esposa Isabel estão sempre disponíveis para ajudar o Grupo.
     
   E assim, cirandando, brincando, brincando, cantando, declamando e conversando muito, o Grupo se firmou e chegou aos três anos de existência. Três anos de muita alegria, amizade e de convivência solidária nos encontros mensais.

        O Grupo Ciranda não é um clube social para por em destaque pessoas da cidade. É apenas um grupinho de amigos, que se preocupam com os velhinhos que vivem sós, sem amigos ou parentes para conversar e conviver. Nas reuniões não se fala de religião, nem de política e não se cobra nenhuma taxa. Quem participa para ajudar tem que ser voluntário, doando seu tempo, ter disponibilidade para conduzir os convidados e doar lanches de vez em quando. É um grupo simples, sem luxo, onde todos são iguais e o que manda é o carinho e a gentileza para com os idosos. E temos orgulho imenso de proclamar que, comemoramos nesse último sábado, dia dezenove de outubro os três anos da Ciranda. Fizemos um almoço, a que compareceram cerca de cinquenta pessoas. A festa começou ao meio dia e só terminou ao por do sol.
      O destaque do dia foi uma exploração da matinha ciliar que circunda a Chácara, para um futuro piquenique da Ciranda.
         E no mês que vem tem mais!
        

         Mirandópolis, outubro de 2013.
         kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/



sexta-feira, 18 de outubro de 2013

         Jardim de Epitáfios

           Para compor a crônica “A nossa Praça”, passei umas horas no Jardim observando as árvores, as sombras, os passantes e os bancos.  Ao ler as inscrições desses bancos, percebi que aí estava o relato de nossa História. Armada de curiosidade histórica e muita paciência, fui fotografando cada banco, porque o tempo está apagando as letras.
         Consegui enumerar oitenta e nove bancos na parte interna e quarenta e nove na calçada externa, incluindo a da frente da Igreja. Desse total, constatei que há cerca dezenove sem identificação, porque o sol, a chuva e o vento foram apagando os letreiros. Os bancos mais recentes foram pintados levemente, e o granito  não absorveu as tintas... Mesmo assim, todos eles ainda têm sua utilidade.
         Como contei na crônica anterior “A nossa Praça” tem mais de sessenta anos e, muita coisa mudou nesse período. Mas o registro do começo da cidade está lá. Senão vejamos, lá está o busto do fundador Manuel Alves de Ataíde. E nos bancos os nomes de cidadãos que, de várias formas contribuíram para o desenvolvimento do lugar. Percebi que essas inscrições não passam de epitáfios de gente, que já partiu.
         Por que Epitáfios?
      Epitáfios são inscrições feitas nas tumbas, onde repousam as pessoas que já deixaram esse mundo. Geralmente procura-se enaltecer a pessoa que ali repousa, ou são mensagens para confortar os familiares. E nos bancos está gravada para a posteridade, a ocupação de cada doador.
    Lendo esses epitáfios, fiz uma viagem imaginária ao passado, e acabei organizando o que segue:

         Os primeiros aventureiros que chegaram foram abrindo a mata, e construindo suas casas usando a madeira, que a floresta oferecia de graça. O senhor Elídio Ramires que veio para cá na década de quarenta, disse em seu Relato sobre a História de Mirandópolis, que naquela época só se ouvia o martelar dos trabalhadores erguendo suas casas, dias seguidos.
         Mas, por que esse afã todo? É que estava sendo aberta uma estrada de ferro mata adentro, em direção a Mato Grosso, que posteriormente ligaria o Brasil com a Bolívia.
      Estrada de ferro e trens eram sinônimos de progresso, pois faziam a ligação quase impossível de lugares perdidos pelos sertões do Brasil. Os trens serviam de meios de locomoção  para pessoas e, transporte de mercadorias e produções agrícolas e,  ainda, ligavam cidades com cidades.  E o traçado da ferrovia passaria exatamente por aqui, onde seria construída uma Estação Ferroviária.
      De repente, o local se encheu de gente que veio de várias partes, notadamente do Norte do país. E o seu fundador, o baiano Manuel Ataíde percebeu que, seria um bom negócio lotear os seus cinquenta alqueires, que possuía no local. Assim fez e ganhou muito dinheiro, ficando poderoso a ponto de autodenominar-se Coronel.
     Como todos precisavam de tábuas para construir suas casas, a primeira indústria que se instalou foi a das serrarias: a Serraria São João de Emílio Menzel e a Serraria Jesus Sociedade Anônima de Belmiro de Jesus. Seu Belmiro era um homem muito ousado, e construiu uma viela de casas de madeira, logo ali beirando a ferrovia, indo para o Bairro Sampaio. Ainda remanescem algumas casas daquela época. Alguém me disse certa vez que, as casas eram todas bem feitas e, a vila toda lembrava aqueles vilarejos, que apareciam nos filmes do faroeste americano. Seu Belmiro que possuía um avião, para suas locomoções mais urgentes, fundou o Aeroclube de Mirandópolis, em 1945.  
         
       Outra Serraria foi a Tirolesa de Sailer e Zanon, que funcionou por trinta e seis anos, servindo a comunidade com tábuas e derivados de madeira, inclusive pó de serra, que foi bastante utilizado como combustível nos fogões antigos. Essas serrarias exportavam as tábuas para outras regiões, e o meio de transporte foram os trens de carga, passando a ser por caminhões quando a Estação parou de funcionar. Também prosperou a Indústria de móveis de madeira nessa época, móveis que eram necessárias para abastecer as famílias que não paravam de chegar. Marcou época também a Fábrica de Móveis Cristal de Crevelaro e Ramires, e a Miramar Móveis de Walter Puosso.
       Por essa época, a cidade recebeu eletrificação da Empresa Elétrica de Itapura.  A chegada da eletricidade acelerou o progresso.
      Mas, um dia, a floresta acabou,  mesmo porque foi devastada para as plantações de cafezais e pastagens, e as Serrarias encerraram suas atividades. Como as construções eram necessárias, surgiram as olarias que fabricavam tijolos e telhas de barro. O senhor Otaviano de Oliveira teve uma Olaria muito providencial, que serviu a comunidade por bom tempo. A família Aoki também teve uma Olaria no Bairro Santa Lina. Além das olarias, havia também fábrica de ladrilhos e mosaicos, como a do senhor Vitório Burato.
    Mas, as grandes empresas foram engolindo essas pequenas fábricas, que acabaram desaparecendo. Com muitos forasteiros chegando, alguns cidadãos resolveram abrir Hotéis para dar pousada, assim surgiam o Hotel Luzitano, o Hotel Central e o Hotel São Paulo.
       Lojas de calçados também foram abertas como as Casas Marajá, e a Ideal Calçados que chegou a abrir uma fábrica de sapatos.
    Também surgiram as padarias para alimentar o povo: Padaria São João dos Irmãos Ramires e a Padaria Central de Pedro Zuin. O local foi crescendo rapidamente e atraindo mais gente. Já havia a Farmácia São Luiz de Delfino da Silveira Pinto e aí o senhor Silvino Espírito Santo abriu a Farmácia São José. Então, começaram a vir médicos também, dos quais o Doutor Edgar Raimundo da Costa viria ajudar muito no desenvolvimento do município, como Médico e como político muito influente, pois era compadre do Governador do Estado, Adhemar de Barros. Doutor Hermes Bruzadin foi Médico designado para atuar na Companhia Ferroviária Noroeste do Brasil. Imigrantes japoneses que moravam no Bairro do Quilômetro 50 se transferiram para cá, quando os trens passaram a circular. E a Avenida Rafael Pereira era quase toda de comerciantes japoneses, que se ocuparam de bares e bazares.  Na rua Floresta, atual Gentil Moreira, havia a Casa das Máquinas de Nishizawa e Furuhashi, imagino que deviam vender máquinas de costura. Mais tarde, surgiria a AgênciaVigorelli da família Galvani, que também vendia máquinas de costura.
      
     Muitas lojas de tecidos e armarinhos surgiram como A casa Síria, as Casas Jaraguá, as Pernambucanas, a Casa dos Irmãos Omar, a Casa Santa Glória, que além dos tecidos vendia mantimentos e ferramentas agrícolas, concorrendo com a Casa Moreira, que era um Armazém de Secos e Molhados. Os armazéns, ou vendas como eram conhecidos, fiavam as contas dos fregueses, que pagavam na safra ou colheita de café.           Então, o comerciante sofria junto com o lavrador, quando a estiagem durava muito, ou quando não parava de chover. É que toda a movimentação da cidade e seu comércio vinham dos trabalhadores rurais. Aos sábados, o movimento era grande e a cidade ficava muito agitada.
       Nos anos cinquenta havia muita produção de café, que foi uma alavanca para a economia do país. Todos plantavam café, pois o produto exportado dava boa renda. Então, surgiram as Máquinas de beneficiar café como a Comercial Perez, a Máquina 3M da família Marcos, e outras que beneficiavam também arroz e outros cereais, como a Máquina Confiança de Paulo da Silva Leister, Máquina Brasil de Fulgêncio Parra Sanches, a Máquina dos Wada, e mais tarde o Arroz Urubupungá de Hiromichi Ota e o Arroz Minari, que foi um dos mais importantes beneficiadores e revendedores de arroz na região.
         Açougues também passaram a vender partes de animais abatidos como o Açougue São João de José Melo Rodrigues e, o  o Açougue Paulista de Carmo Travain.
         Na era de ouro do café, aqui se instalaram muitas agências financeiras como o Banco América do Sul, o Banco Noroeste do Estado de São Paulo, o Banco do Brasil e o Banco Financial de Mato Grosso. Mas a crise do café também afetou Mirandópolis. Os lavradores deixaram suas lavouras e começou o êxodo rural, inchando a cidade com  mão de obra barata e disponível, mas sem emprego. As Financeiras que resistiram às crises econômicas do país foram o Banco do Brasil, a Caixa Federal,  o Bradesco e o Banco do Estado de São Paulo que foi encampado pelo Santander.
        Já havia um cinema na cidade, o Cine São João de João Ferratone e mais tarde, o Cine e Teatro São Jorge da Família Nars. Havia um Clube Social, o Bandeirantes Atlético Clube, que mais tarde seria o Clube Atlético Mirandópolis.
       
     E de repente, a cidade começou a se encher de veículos motorizados, deixando de lado as charretes e as carroças. Também existiu uma Empresa de ônibus da Família Caleme, que fazia a ligação entre os diferentes bairros rurais do município, transportando a população. Acompanhando a mudança,  surgiram agências de venda de carros como a Chevrolet, a Volkswagen, e  revendedoras de auto peças e oficinas para reparos nos automóveis e caminhões, como a Oficina Amikura, a Grassi, a Volkswagen, e Ferrarias como a do senhor Shimada e dos Tanikawa. Com a chegada dos automotores, Auto-escolas também entraram no mercado e Empresas Transportadoras de mercadorias e de produtos hortifrutigranjeiros, como a Transportadora Nomizo e a Noroeste Transportadora.
         É preciso registrar a presença de duas Óticas, a Kawasaki e a Tietê de Takaomi Ijichi, que atuam há décadas no local.
         Com o passar dos anos, foram instalados Grupos Escolares, e mais tarde o Ginásio; a Igreja já estava pronta e a Praça também, com todos esses bancos conservando os nomes de seus benfeitores.  Há três bancos de atividade inusitada de estudantes da época.  São bancos com a inscrição GLERCA – Grêmio Literário Esportivo e Recreativo Castro Alves, fundado por jovens estudantes da Escola de Comércio de Mirandópolis. Também, é necessário registrar a Campanha desenvolvida pelo Rotary Clube local nas campanhas de agasalho, que ficou atestada nos bancos que legou à Praça.
       
      Para encerrar esse breve resumo de nossa História, ficam os registros das passagens de vários cidadãos benfeitores como: Antônio José Orsi Falleiros, Antônio Duenhas Monreal, Geraldo Delay, João Chalita Nars, Domingos Terensi, Eleotério Sanches,  Francisco Idalgo Filho, Gerônimo Micoto, João Américo de Godoy, João lopes Bibanco, Osamu Sato, João Rabello, Kluk Magri, Mohamed Zogbi, Massaru Sueta, Antenor Nepomuceno, Otaviano Oliveira, Vasco de Lucchi e Família Zanata.
         Resta citar ainda os Prefeitos juntamente com esses honrados cidadãos, que se empenharam em transformar um vilarejo perdido no meio de uma imensa floresta bruta, em uma cidade progressista que é a nossa cidade de hoje. Os honoráveis prefeitos que legram seus feitos e nomes para a posteridade foram Dr. Osvaldo Brandi Faria, Alcino Nogueira de Sylos e Geraldo da Silva Braga.  E assim, usando só as inscrições dos bancos do Jardim e, consultando o livro “Mirandópolis, sua evolução no século XX” de  Dr. Alcides Falleiros, consegui fazer um breve resumo da nossa História.

    E foi muito bom conhecer os feitos desses cidadãos, que deixaram seus nomes e feitos para a posteridade. O conforto que usufruimos hoje, como energia elétrica, ruas asfaltadas, estradas abertas para outros locais, pontes sobre rios, água encanada, esgoto, tudo isso foi fruto do trabalho desses cidadãos que não desistiram, e pouco aproveitaram devido à brevidade da vida.
        Cabe a nós, pois, continuar a obra deles, melhorando mais e mais as condições dessa nossa querida Mirandópolis, para as gerações que virão.
        
         Legenda de Fotos
1.        A fonte abandonada
2.      Sailer e Zanon
3.      Mosaicos de Vitório Burato
4.     Casa Estrela – Terensi e Franco
5.      Cia. Elétrica Itapura
6.      Dr. Edgar Raimundo da Costa
7.      Casas Jaraguá
8.      Empresa de ônibus Caleme
9.      Banco América do Sul
10.   GLERCA
11.     Dr. Osvaldo Brandi Faria

         Mirandópolis, outubro de 2013.
         kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/       

domingo, 13 de outubro de 2013



          A nossa Praça

    Temos em nossa pequena cidade três pontos que definem e a diferenciam das demais cidades. São a Igreja, a Estação Ferroviária e a Praça Manuel Alves de Ataíde.
         A Igreja São João Batista, obra do padre Epifânio Ibañez, de tão bela foi cantada por muita gente. A paixão por essa obra em estilo colonial brasileiro é unanimidade entre todos os que a conhecem.
         A Estação Ferroviária decadente, abandonada às traças já foi também assunto de muitas crônicas e bate papos de amigos.        
         A Praça Manuel Alves de Ataíde já foi a menina dos olhos dos moradores. Já foi. Tinha uma fonte luminosa, cujos esguichos d’água seguiam o ritmo da música, que era tocada nos finais de semana. Era um espetáculo de encher os olhos, porque as luzes iam se alternando em várias cores. Não sei por que, nem quando pararam com esse show. Era muito bonito e as músicas tornavam a praça viva, e atraía casais de namorados, que se assentavam nos bancos de granito e passavam horas agradáveis, apreciando o show das águas e conversando com outras pessoas, que lá iam passear.
       Como em frente havia o Cine São Jorge, todos os jovens tinham o hábito de ficar zanzando na Praça, paquerando as meninas à espera da hora dos filmes. Era o “footing”.

         E como do outro lado há a Igreja, alguns jovens ficavam esperando as moças saírem da missa, para paquerá-las ou marcar encontros, que muitas vezes terminavam em namoros, noivados e casamentos (religiosamente, nessa ordem). Foi assim que ocorreu com a maioria dos casais, que constituíram famílias. Assim foi com a nossa geração.
      Mas, a Praça tem uma história.
         Na década de 30, quando começou o povoado de São João da Saudade, denominação dada pelo fundador Manuel Ataíde em 24 de junho de 1934, tudo aqui era uma grande floresta, onde começaram a chegar forasteiros, em busca de um bom lugar para morar.
     Essa procura era em razão de, estar sendo construída uma linha ferroviária mata adentro, em direção a Mato Grosso, que posteriormente faria ligação de Brasil a Bolívia.
         Nessa época, o vilarejo se resumia a algumas casinhas feitas de madeira, retirada da mata que havia ao redor. Essa floresta densa e fechada tinha sido a morada natural dos índios caingangues, que os primeiros exploradores expulsaram para outras regiões.  Mas, ainda era habitada por onças e outros animais selvagens.

                  Com a certeza de que o progresso chegaria rápido à região, muitos aventureiros vieram para cá e a vila foi crescendo rapidamente.  O baiano Ataíde, que foi o fundador da cidade, percebendo que aqui haveria uma boa fonte de renda, loteou os cinquenta alqueires de terra, que havia adquirido e os vendeu a pessoas que estavam chegando. Por essa época, já a população local estava empenhada em construir uma Igreja, que pudesse abrigar todos os fiéis, uma vez que a pequena capela de madeira já se tornara insuficiente.  E a instâncias das autoridades locais, Ataíde concordou em doar o lote de terra em frente à Igreja, que estava sendo construída, para se construir uma Praça. Impôs uma condição: só doaria o terreno de escritura passada, se a Praça tivesse seu nome. Mas...
    
   Em 1945, o jovem mirandopolense Rafael Pereira, que fora convocado pela Força Expedicionária Brasileira, não voltou dos campos de batalha da Europa. Fora enterrado no Cemitério de Pistóia, na Itália. E os políticos locais, quiseram homenageá-lo denominando a praça de Praça dos Expedicionários, pois uma Lei do Getúlio proibia a prestação de homenagens a pessoas vivas ou mortas, dando seus nomes a logradouros públicos.

         Tudo isso levou a um impasse, porque o fundador Ataíde não aceitava outra opção que dar o seu nome à Praça.  As negociações ficaram paradas um bom tempo. E foi aí que, os Vereadores Savero Tramonte e Alcides Falleiros apresentaram um projeto de lei, que resolveria de vez a questão. De acordo com os termos desse projeto, a Praça ficaria com o nome de Manuel Alves de Ataíde, como justa homenagem por ser o fundador da cidade; e o nome Rafael Pereira seria dado à principal via pública da cidade, que era conhecida como Avenida Internacional. E assim se fez, e permanece até hoje. Isso ocorreu em outubro de 1948.
         Sobre a construção da praça e seu ajardinamento, o livro do Dr. Alcides não faz referências, mas podemos dizer que foi no início dos anos cinquenta, Há fotografias da praça ainda acanhada, quando as obras da Igreja estavam em fase de conclusão, lá pelos meados de 1953.

     
    Houve uma época em que os Prefeitos de partidos políticos diferentes, que se alternaram no comando do município, sem razão aparente, reformavam a praça, dando uma visão diferente da que o Prefeito anterior havia feito. Acho que queriam apagar a memória do outro. Mas, ao longo dos anos, a praça foi ficando bonita, com dezenas de árvores crescendo e fornecendo boas sombras aos passantes, que volta e meia descansavam nos bancos de granito.  E bem no centro, foi construída a belíssima fonte luminosa.
         Além da fonte foi construído um palanque, onde se apresentava a Banda Marcial do Maestro Pavesi, para animar os finais de semana. Sob o palanque foram instalados sanitários, que ficaram ultrapassados, devido aos estragos por má conservação. Recentemente, a Prefeitura instalou novos sanitários.
         A foto colorida de 2003 passou a ser o comprovante de bons tempos da praça, quando havia água na fonte, onde nadavam belos espécimes de peixes e tartarugas, e aliviava a sede de pássaros que vinham pousar nas árvores.
         Mas, nos últimos dez anos, a praça ficou esquecida pela administração pública, não se sabe por quê. Árvores velhas não estão sendo podadas, os canteiros não têm mais flores nem gramíneas, e a varrição contínua debaixo das árvores está assoreando o solo, pondo grandes raízes à mostra.  Com o ato contínuo da varrição, há o perigo das árvores tombarem... A fonte secou, não há peixes mais e, nem água para os pássaros. Não há mais esguichos de água, não há mais música... tudo se perdeu com o passar do tempo e, o nosso cartão postal florido passou a ser a prova contundente da administração relapsa. Muitas pedras portuguesas se soltaram do calçamento e se perderam ao longo dessa década.
         É lastimável.
         Todos os moradores lamentam o estado do nosso lindo Jardim. Esperemos que a nova administração volte os olhos para a nossa antiga Praça, para que possamos cantar de novo com o Chico Buarque:
         “... a mesma praça, o mesmo banco,
         as mesmas flores, o mesmo jardim.”
        
         Um Jardim sem flores não tem sentido.  
          E sonhar não é pecado.

         Mirandópolis, outubro de 2013.
         kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/