terça-feira, 13 de agosto de 2013



                Gente de fibra –
      Iracy e Domingos Caldatto


         Como é agradável passar uma tarde num sítio, curtindo o ar puro em companhia de amigos.  E tomando um cafezinho junto.

         Pois é, passei uma tarde tão interessante ouvindo o relato da vida desse casal Caldatto, que todo mundo conhece, mas não sabe das passagens de sua vida.

     Iracy Artuzi Caldatto nasceu em Paraíso, perto de Catanduva, há 66 anos e veio de mudança para Guaraçaí.
         Domingos Geraldo Caldatto veio de Novo Horizonte também perto de Catanduva, e veio morar no Bairro Barreirão, em Lavínia.
         Ambas as famílias vieram cultivar café, que era a base da economia da época, há quase seis décadas.
         Os caminhos desse casal já estavam traçados, mesmo antes de se conhecerem. Seu Domingos confessou que sonhara com ela antes de conhecê-la. Dona Iracy queria ser freira e estava preparando o enxoval para ir ao Convento, quando conheceu o jovem. Predestinação? Estranhos são os caminhos do Senhor.
         Dois anos depois, eles estavam casados. E dona Iracy veio morar aqui em Mirandópolis, na Chácara dos Caldatto, bem ali na curva do caminho para o Córrego do Boi.  A labuta era com café e criação de gado.
         Dona Iracy morou com os sogros e cunhados na Chácara, onde teve três filhos: o varão é hoje um carreteiro e mora em Mato Grosso, uma filha que mora também na Chácara é comerciante e a mais nova é artesã e mora em São Paulo. Além deles têm quatro netos, dois genros e uma nora.
        
Seu Domingos tem boas lembranças de quando era mais jovem. Lembra que seus vizinhos eram todos de origem japonesa, e cada família possuía um pequeno lote de terras, como os Mike, os Nakamura, os Hassuyuki, os Yamazaki e os Maeda. A maioria foi embora e, agora as pastagens dominam os sítios que eram de cafezais. O senhor Paulo Mike era seu vizinho e, construiu uma bela casa na propriedade que hoje pertence aos Sasaki. 
         Lembra também que o senhor Mike foi quem abriu a Máquina de beneficiar café, que mais tarde seria do Lourencinho e de seu Abelardo. Na época, havia a Máquina dos Ohara, dos Parra Sanches e mais tarde dos Minari, que beneficiavam arroz, cuja produção era farta na região. Havia também a Comercial Perez, que beneficiava café, exatamente no local hoje ocupado por um Supermercado.
         Lembra também do asfaltamento da Rua Gentil Moreira, inicialmente denominada Rua Araçatuba, em homenagem à cidade de Araçatuba que era bem asfaltada. Nessa rua, existia um Bazar do senhor Kondo, cuja esposa dona Kátia ensinou bordados para as moças e senhoras da cidade. E lembra ainda que nessa rua havia a Livraria de dona Dinorah, esposa do seu Ênio Pucci.
         Uma das boas lembranças que tem é sobre o Senhor Antenor Nepomuceno, um fazendeiro local a quem deu carona com seu jipe até a Fazenda, porque os carros de táxi não conseguiam atravessar a lamaceira que  se formava nas ruas da cidade, quando chovia muito. Lembra que o levou até a Fazenda e teve que buscá-lo no dia seguinte, por conta da chuva.
         Dentre as pessoas que conheceu, o padre Epifânio Ibanez se destaca como um religioso bravo, mas muito correto, que batizou seus filhos. Conheceu o Dr. Neif, que era um homem muito direito, o Senhor Geraldo Braga e o senhor Alcino Nogueira de Sylos, que foram Prefeitos locais. Mas, a lembrança melhor que o casal tem é do Doutor Alcides Falleiros e de dona Dovina, que coordenavam os Encontros de casais do Cursilho. Têm lembranças muito bonitas dessa época. Lembram também com saudades do Padre Vicente e do Padre Messias.
         A vida desse casal teria uma direção única e predeterminada, que seria curtir a aposentadoria na solidão da Chácara, como ocorre com a maioria dos lavradores. Mas, não foi assim.
         Certo dia, a dona Iracy estava vendo um Programa de Variedades na tevê, onde apareceu um artesão nordestino que fazia trabalhos manuais com palmas de coqueiro. Como na Chácara havia três pés de babaçu com muitas folhas, dona Iracy gravou o programa. Depois, com certa dificuldade conseguiu fazer uma cestinha, seguindo as instruções do vídeo gravado.
         Como gostava de inventar e criar artesanato com suas mãos, um dia foi aprender a trabalhar com palha de milho, num curso promovido pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural.
         No primeiro dia, dona Iracy ficou incomodada porque as parceiras de mesa usavam toda a  sua palha, deixando-a na mão. No dia seguinte, levou a cestinha de palma de coqueiro, que ela havia feito tempos atrás, e colocou a sua palha dentro dela. Enquanto pelejava com a palha de milho, uma senhora se aproximou e perguntou sobre a cestinha. Quando soube que era de sua autoria, a senhora lhe pediu para ensinar outras pessoas a trabalhar com palmas de coqueiro. Dona Iracy recusou o convite, mesmo porque era uma pessoa simples e nunca havia dado aulas em sua vida. E estava bastante insegura também.
         Dona Iracy soube então que ela era a Supervisora dos Cursos promovidos pelo SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), dona Laurinda Morales, de Osvaldo Cruz.
         Diante de muita insistência, dona Iracy acabou cedendo e deu sua primeira aula em Osvaldo Cruz, para mais de vinte alunos. Isso foi há mais de onze anos, e foi o começo de uma grande aventura.
         Após essa estreia como Professora de Artesanato, dona Iracy acumulou experiência, aprendeu a fazer outros trabalhos sempre aproveitando os recursos naturais, como palha de milho, cabaças, sementes, caules de bananeiras... E participou de cursos promovidos pelo SENAR. De lá pra cá, percorreu mais de sessenta cidades, dando cursos nesses onze anos, como Professora de Artesanato. Houve épocas em que deu dois cursos por mês, e está sempre pronta para atender aos pedidos.
         Com fibra de bananeira ou pseudocaules faz bolsas, flores, caixinhas, encapa garrafas.  Com palha de milho faz flores, bolsas, bandejas e cestinhas. Com palmas de coqueiro, especialmente do coco da Bahia, que possui folhas mais maleáveis faz cestas, cachepos, chapéus, fruteiras, arranjos em forma de peixes, esteiras. Ainda trabalha com buchas, fazendo bonecos. E com sementes confecciona bijuterias.
         Nesses onze anos de transmissão de conhecimentos, dona Iracy saiu do casulo, conheceu cidades, costumes diferentes, aprendeu muito, fez amizades, conheceu regiões diferentes do Estado e, sobretudo fez amigos. E ela é muito grata à senhora Laurinda Morales que acreditou nela, e a encaminhou para uma vida cheia de aventuras, Porque a vida de artesão é muito interessante.
         Mas, o que mais gosta de fazer é dar aulas e ver os alunos se realizando ao confeccionar suas cestas, seus chapéus, seus bonecos. Ela tem notícias de alunos seus que, estão produzindo artesanato e ajudando no orçamento da família. Hoje acredita que, Deus lhe mostrou o caminho de artesã, para que ela possa ensinar as pessoas a aproveitarem os recursos naturais, e tornar suas vidas mais interessantes. Seu esposo, o seu Domingos sempre a leva às cidades onde acontecem os cursos, e ela é grata por sua atenção.
         Domingos e Iracy Caldatto, gente que pelejou na roça, criou e encaminhou os filhos não cruzaram os braços, mesmo depois de aposentados. Levam uma vida itinerante para divulgar os conhecimentos, que a dona Iracy foi adquirindo ao longo dos anos, em contato com a natureza. São, sem dúvida nenhuma, gente de fibra!

         Mirandópolis, agosto de 2013.
         Kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com

3 comentários:

  1. Sem palavras para agradecer o carinho com texto da memoria viva de meus queridos Pais,

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  2. Dona Iracy fez a diferença, né Ana? Cada pessoa tem um caminho a seguir. E o que ela faz nessa caminhada é que torna interessante a vida dela. E interessante é que ela é feliz fazendo do artesanato a sua ocupação, o hobby, o lazer, o trabalho, a sua criação.

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  3. Adivinhe o que estamos revendo hoje....
    texto maravilhoso
    abraços

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