sexta-feira, 21 de junho de 2013


       Não dá prá ficar em cima do muro
    Jean Paul Sartre, filósofo francês representante do Existencialismo, numa entrevista famosa comentou o fato de nós sermos completamente incoerentes, diante de escolhas e atitudes.
      E a verdade disso ficou patente, nesses dias de manifestação da população brasileira contra os desmandos dos governantes.

      Gente corajosa, líderes de classes sociais, gente simples, classe média, todos em uníssono gritando cobranças aos mandantes da Nação. Enfrentando os policiais, percorrendo ruas, sujeitando-se às mais diversas dificuldades de mobilização, contra bombas, contra os cassetetes, contra políticos falando bobagens na tevê. E no meio dessa imensa massa humana gente de todas as cores, de todas as classes sociais, que inteligência não é privilégio só de classe média.
      E vendo tudo isso, eu me senti tão pequena, tão fraca, tão covarde! Gostaria de ter a coragem desses jovens que não se importam com horários, com compromissos, com a segurança e a saúde quando a Nação está em perigo. Eles vão à luta, gritam e nada os acovarda. E eles estão representando toda a sociedade brasileira, com a cara e a coragem. E nós em casa, mesmo concordando com tudo, sem reagir, sem participar do movimento, assistindo a tudo de camarote. Inertes...
      Se eu sou a favor do movimento pra derrubar essa cambada que desgoverna o Brasil, agora é hora de me engajar, de cerrar fileira ao lado desses jovens que enfrentam tudo e todos. Mas, não! O meu lado burguês fala alto e não saio para não arriscar a minha insignificante figurinha. Fico com medo da turba, da polícia, das reações porque de fato sou muito covarde.
      É aí que está a incoerência. Se eu apoio o movimento, devo engajar-me. Mas, falo uma coisa e pratico outra. Por pura covardia.
      Piores que isso, são os cidadãos que tanto criticaram os majestosos estádios e, estão alucinados por ingressos para ir lá assistir aos jogos. Prestigiar os jogos é exatamente prestigiar a FIFA, é prestigiar os ladrões que roubaram as verbas dos Hospitais para construir estádios luxuosos, para travestirem o nosso país como um paraíso de 1º Mundo. Assistir aos jogos da Copa das Confederações e da Copa do Mundo nos ricos estádios é exatamente prestigiar a Dilma e seus inumeráveis asseclas, dando-lhes aval para continuarem roubando e ferrando o povo brasileiro.
      Já li histórias de muita gente heroica que passou por esta terra. E raríssimas são as pessoas que em vida, cumpriram na íntegra o que defendiam. Pessoas tão honestas que praticavam o que pregavam. Professor Miyazawa Kenji foi um desses homens iluminados, que querendo ajudar os pobres lavradores de uma das regiões mais pobres do Japão, dedicou sua vida como Agrônomo e Professor de Escola para Formação de Técnicos Agrícolas, para salvar sua terra natal, a Província de Iwate, ao norte do Japão. Noguchi Hideyo, um bacterologista também japonês, dedicou sua vida em busca da origem da sífilis. E Tereza de Calcutá foi o maior exemplo da atualidade, de gente que praticou o que pregou. Foi viver entre os mais pobres do mundo na Índia, para cuidar dos doentes, dos aidéticos, das vítimas de guerras. E o exemplo maior da humanidade foi sem dúvida, Jesus. Que ia à casa dos pobres, curava suas feridas, e consolava os que sofriam.
      Por que não somos assim? Honestos no íntimo, coerentes de verdade para não cair em contradições. Falta-nos coragem? Falta-nos honestidade? Falta-nos coerência?
      Agora, fico revoltada de ver amigos meus que eram ou são petistas de verdade, que elegeram esses desgovernantes, que aí estão distribuindo Bolsas e mais Bolsas para comprar votos.
       Fico louca de indignação, ao constatar que eles não tomam uma posição diante de tudo, que está ocorrendo no Brasil. Fazem cara de paisagem, como se nada estivesse acontecendo. Será que não se sentem incomodados de ver essa tragédia grega ocorrendo nas ruas de nossa Terra? Não comentam nada, ouvem suas músicas e se dizem engajados !!!!! Esses estão em cima do muro e se acham os bons, que não se envolvem com nada que os perturbe, que ofenda o Partido. Gente, a questão não é mais partidária! É a nossa Pátria que está soçobrando, que está desmoronando, sem boas perspectivas para as futuras gerações. Não importa se era petista, se votou nesses bandidos, porque acreditou neles. Está na hora de acordar, de abrir os olhos e unir forças com todos os milhões de compatriotas que estão protestando.
      Ou vocês não se importam realmente com o país que, vão deixar de herança para seus filhos e netos?
      Então, vocês realmente são covardes, que não merecem o nome de cidadãos brasileiros!

     
      Mirandópolis, junho de 2013.

      

      

quinta-feira, 20 de junho de 2013



                                               Babá de netos
    Há um tempo atrás assisti a um documentário do Discovey Channel, sobre avós idosas cuidando de crianças no México.
         Isso foi mais ou menos há uns dez anos. Lembro que fiquei muito indignada, com a falta de respeito dos filhos para com as velhas senhoras, suas mães.
         Havia avós de mais de oitenta anos, cuidando de cinco a seis crianças, filhos de seus filhos, para quem ela cozinhava e lavava suas roupas.
         E o mais trágico é que a maioria das vovós-babás não recebia nenhuma ajuda dos pais das crianças. Os genitores em sua maioria eram jovens que viviam na rua se drogando, completamente perdidos. E quando apareciam, era só para trazer mais uma cria, para acrescentar à numerosa prole, sob o encargo da velha mãe-avó.
         Fiquei tão escandalizada ao assistir ao documentário, mais ainda porque o repórter anunciava que havia bairros inteiros, com vovós nessas condições. Isso foi mais ou menos há uma década.
         E de repente, comecei a constatar que no Brasil a moda pegou também. Tem tanta gente pondo filhos no mundo, sem nenhum planejamento, e quando as coisas começam a dar errado na vida do casal (porque ainda é preciso um casal para gerar filhos), cada um segue um caminho diverso, e jogam os netos para as avós cuidarem.
         Eu sou avó e cuidei da única neta quando era pequenina, por um breve tempo, para a mãe dela se aprumar na vida, e sei que a relação de avós versus netos é até mais forte que a relação de pais e filhos. Não sei explicar, mas além do carinho natural, acho que entra mais compreensão, mais tolerância, mais experiência e mais paciência, que a gente adquire com o amadurecimento e o passar dos anos.
         Por tudo isso, acredito que avós não conseguem ignorar netos, que os pais abandonam, tão irresponsavelmente. E então, acabam assumindo a tarefa de cuidar deles, mesmo não tendo condições físicas para tal mister. É coisa de sangue, de pele, de herança genética.
         Deus fez a natureza tão certinha, que todos os animais cuidam de sua prole. As vacas, os cães, os pássaros, as galinhas e até as onças e os leões não se furtam a essa missão. A única exceção parece que é o chupim, que por comodismo não faz ninho e, bota ovos em ninhos alheios. Como resultado, seus filhotes são criados por outros pais. Exatamente como está ocorrendo com a humanidade.
         Ultimamente, tenho conhecido mulheres que têm filhos de três homens diferentes e vivem com um quarto numa boa, fazendo mais filhos. Os outros filhos todos sob a responsabilidade dos avós, ou com os pais em outras localidades. E são mulheres de trabalhadores braçais, gente que mora em sítios e fazendas. E encaram tudo com uma naturalidade espantosa.
         Mas, não é só isso. Tenho amigas de certo nível cultural, que foram reduzidas a babás de netos, porque os filhos não dão conta deles. E essas amigas não são novas, não! Todas elas pelejaram a vida toda, para ajudar na manutenção da casa e, criaram seus dois ou três filhos, com muito sacrifício. E sonharam com a bendita aposentadoria.

         Mas, quando ela chegou, houve uma rasteira dos filhos. Estes foram se casando, fazendo filhos e separando das caras metades, por mil razões que não nos interessam. E como resultado, a avó aposentada ficou com um bebê no colo, porque os genitores não confiavam em outras babás.
         O primeiro neto os avós acolheram com alegria, pois veio preencher um vazio em sua vida e sua casa. Mas depois, vieram outros e outros... E os avós cansados, com dores na coluna, dores nos joelhos, dores nos ombros não puderam recusar-se. A casa se transformou numa creche, que foi se enchendo de mamadeiras, fraldas, brinquedos, bolas, banheiras, colchões... remédios. Não podiam recusar-se porque seria discriminar uns filhos de outros... E assim, a vida das pobres aposentadas se transformou num calvário. Tenho uma porção de amigas nessas condições, que não estão aproveitando a aposentadoria para descansar, mas estão amarradas definitivamente à tarefa de criar filhos dos outros. Netos? Mas não são filhos seus. E elas já cumpriram sua missão de criar sua prole.
         Ajudar a filha ou a nora a se recuperar do parto, por uns tempos é natural, porque não é fácil assumir a maternidade com o corpo sem condições. Mas, daí a trazer a mudança do bebê para a casa dos avós, acho que é o cúmulo da falta de respeito.
         Os jovens pais de hoje têm que assumir seus filhos, como nós assumimos os nossos em nosso tempo. Não importam as diferenças do casal, eles geraram o filho, eles que cuidem dele, assim como os pássaros fazem. Nunca vi em minha vida, um pássaro-mãe levar o filhote para o ninho de outros para cuidarem dele. Nem uma gata faz isso. Nem uma cadela.
         Então, por que isso virou moda?
         A mãe trabalha? Nós trabalhávamos também.
       Não tem como manter uma babá? Economize em roupas, sapatos e perfumes, que dá, sim!  Economize nas badalações sociais, que isto custa muito, e sobrará dinheiro para uma boa babá.
         Ou então, leve a criança para a creche. Hoje, as creches estão recebendo até bebês. Tem medo da criança não ser bem tratada? Vá lá, confira como ela é assistida, compareça às reuniões, converse com as cuidadoras. Fique de olho, pois é seu filho, e de mais ninguém.
         Avós são culpadas? Pode até ser. Mas, elas têm pena de sua filha ou nora, que vive atropelada, que vive numa correria. Mas, essas avós também já correram muito quando criaram seus filhos, e não havia ninguém disponível para ajudá-las. E quem é que tem dó dessa avó desorientada e toda estropiada de dores?
         Quando a gente passa dos sessenta anos de idade, não tem mais aquele pique para carregar peso, cumprir horários e estar atenta a tudo que ocorre ao redor. A gente se cansa facilmente. É difícil ficar mais de dez minutos em pé. Os anos pesam e tudo é feito em ritmo mais lento, mesmo porque o corpo não responde como antigamente. É por isso que existe a aposentadoria, para diminuir os encargos e viver devagar, sem atropelos...
       
        Exigir que uma aposentada de sessenta, setenta anos cuide de uma criança ativa de três, quatro anos de idade é o mesmo que pedir a ela que participe de uma maratona de cinco mil metros. Mesmo que, seja por meio período diariamente, é exigir demais de suas forças e sua capacidade.
         Receber o neto uma vez ou outra é um prazer imenso para os avós. Mas fazer disso uma coisa permanente é peso demais para gente idosa, que quer sossego apenas. Neto não deve ser transformado em tormento.
         Portanto, jovem, se você tiver filhos, assuma-os, não apele para a mãe ou sogra, ou tia, porque a cria é sua e é você que deve cuidar deles.
         Deixe de ser chupim de sua mãe ou sogra.
         Elas devem ser respeitadas.

         Mirandópolis, junho de 2013.
         kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com
        

         

segunda-feira, 17 de junho de 2013


               
     Dois anos e meio de Ciranda

         A tarde estava luminosa, com os campos verdes, onde pastavam tranquilas vacas.  Era o dia de mais uma cirandada. Trigésimo encontro de cirandeiros.
         O tempo passou rápido e conseguimos a façanha de manter o grupo unido, com encontros mensais para celebrar a vida.
         Achávamos que havia poucos idosos solitários precisando de atenção na cidade, mas descobrimos que há muitos, muitos, muitos...
       Porque o nosso objetivo é apenas proporcionar uns momentos de lazer às pessoas que vivem sós, esquecidas de seus parentes e amigos.
         Nesses dois anos e meio perdemos os cirandeiros Luisinha Cury, Egídio Vicente, Lourdinha Codonho, Maria Menegatti, Jorge Cury, Walter Víctor Sperandio e Aristides Florindo. Mesmo assim não paramos com a ciranda, porque viver é preciso. E temos certeza de ter proporcionado bons momentos de felicidade, para aqueles que nos deixaram.

      A novidade desse encontro foi a presença de Regina Mustafa e  Etelvina Ramires, que passaram a cirandar com o grupo. A Regina moderna como ela só, foi de triciclo mas não pode chegar até a sede com ele, porque há um mata-burros no caminho... Teve que ir a pé até lá.
         A animação da festa ficou por conta de Gerval e Jovaninho, que sempre que podem, vêm fazer barulho com sua sanfona e seu violão.
         Entre uma conversa e outra, e convites, o Professor João comunicou que, exatamente nesse dia em determinada hora, estava há quarenta e nove anos, junto do altar da Igreja Matriz para celebrar suas núpcias com a Mariinha. Foram saudados pelos amigos e ficaram bastante emocionados.         Como de costume, seu Orlandinho brindou a todos declamando um de seus lindos poemas.

         Foram servidos salgados e doces e bebidas, e a tarde voou, que ninguém percebeu. Quando todos deixaram o local já estava escurecendo.
         E todos foram embora revitalizados por essa tarde de lazer, e já pensando na próxima.

         Mirandópolis, junho de 2013.
         http://cronicasdekimie.blogspot.com   
      

quarta-feira, 12 de junho de 2013


            Decidi não sofrer mais

      Como muitos amigos que conheço, carrego umas dores no coração, que ninguém pode resolver. Às vezes, pensava que só eu é que sofria e morria de compaixão de mim mesma.
      Agora mudei. Decidi não sofrer mais.
Não é por ter cansado de sofrer, mas porque percebi que a humanidade toda carrega dores e mais dores. E dores terríveis.
Não são dores físicas, que muitas vezes um analgésico pode resolver. São dores da alma, do coração. São dores sem consolo, que nada, nada pode amenizar.
Dor de mãe, dor de pai. Dor de ter um filho excepcional, dependente total de ajuda alheia, porque não enxerga, ou não anda, ou não fala nem escuta, que não consegue realizar um movimento para se alimentar, para se locomover, para cuidar de si próprio.
Os genitores nessas condições têm medo de morrer, e deixar esses filhos desamparados no mundo. Sofrem pelo momento presente, porque o filho é dependente, e sofrem pelo futuro dele, que é uma incógnita.
A maior alegria de um pai e de uma mãe é ver o filho se realizar, sendo independente, e dando conta de sua vida, de sua sobrevivência. Mas quando esse filho não tem condições para caminhar sozinho pela vida, a incerteza de seu futuro torna-se um sofrimento para os pais. Mesmo que tenha fé absoluta em Deus, no íntimo de seu coração eles sofrem porque amam seus filhos, e mais aqueles que mais dependem deles.
Quase todos nós tivemos a felicidade de ver os filhos se engatinharem no chão, para ir e vir pela casa. Vimos esses pequeninos se apoiarem em mesas e cadeiras, para ensaiarem os primeiros passos. E foram momentos inesquecíveis, porque estavam se tornando livres, independentes.
Depois, já mais confiantes, correndo pelo quintal, atrás de bolas, de brinquedos, de bichinhos de estimação. E então, se libertaram de vez, aprendendo a cuidar de si, a fazer suas necessidades sem auxílio alheio (que bênção!), indo e vindo pela casa, pela rua, pelo bairro, para a escola, para as casas dos coleguinhas... atrás de namoradas...
Assim se cumpriu o processo de desenvolvimento natural, e nossos filhos se tornaram seres livres, donos de seus narizes e de suas personalidades.
    O mesmo, porém, não ocorre com crianças que não enxergam, que nasceram limitadas e não podem se locomover. Elas precisam sempre da assistência de alguém, para seus mínimos movimentos. E não estou falando de crianças e adultos que frequentam escolas como a APAE e outras especializadas. Falo de pessoas sem as condições mínimas para frequentar instituições, para desenvolver habilidades.
      E há tantas nessas condições, que só os familiares sabem como a vida delas é difícil. E especialmente, como a vida da mãe fica limitada, porque se esquece de viver a própria vida para cuidar do filho, que exige cuidados permanentes dia e noite.
      Sei também de mães revoltadas com tudo isso. Não as condeno, porque não é fácil encarar isso a vida toda, principalmente se não se tem apoio de alguém que lhes sirva de fortaleza. Religião? Orações? Fé? É muito fácil falar sobre isso para quem vê tudo de fora e, não vive o drama todos os dias, todas as horas, todos os minutos, todos os instantes da vida.
     Tive uma amiga, que já com seus quarenta e tantos anos resolveu adotar uma criança, porque só possuía uma menina de quinze anos. Recebeu uma recém-nascida e, cuidou dela com o maior carinho e dedicação. Até os dois aninhos, a garota se desenvolveu bem e foi uma menina feliz. Mas, de repente, começou a paralisar-se e foi travando tudo, até ir se atrofiando, e acabou falecendo. A mãe sofreu muito, muito, porque a amava de coração, e fez de tudo para lhe aliviar o sofrimento. E passado um tempo, a sua alegria se resumia em contar a história da pequena, que um dia Deus colocara em suas mãos. A menininha fora abençoada pelo destino que lhe concedera tal mãe. Sempre me lembro dessa amiga com emoção.
      Sei também que se essa menina estivesse viva, hoje teria seus vinte e poucos anos, e levaria uma existência vegetativa. Seria um sofrimento atroz para a criança e toda a família. Assim como sei de outros amigos que cuidam de filhos em condições semelhantes.
       E aí eu me pergunto: Por que, Deus?
    Dizem que é um resgate, de algo que algum antepassado ficou devendo... Mas, por que essa cobrança se Deus é Amor?
      Bem, a vida é um grande mistério. Mistérios maiores ainda são os desígnios de Deus. Que a gente não compreende, por mais que fique matutando, refletindo e buscando explicações.
      E por tudo isso, parei de sofrer. Não lastimo mais nada, não reclamo, não choro, não lamento. Ao invés disso, estou procurando meios para ajudar as pessoas, que foram contempladas com destinos difíceis, oferecendo-lhes uma pequenina ajuda, para amenizar um pouquinho a sua dor.
      Só tenho que agradecer muito a Deus.
      Obrigada Deus, outrossim, por ter me feito enxergar tudo isso!

      Mirandópolis, junho de 2013.
      kimie oku in  http://cronicasdekimie.blogspot.com


     


terça-feira, 4 de junho de 2013

             Se eu morresse amanhã

         Tenho uma amiga, que um dia leu uma crônica minha com esse título, e nunca mais esqueceu o conteúdo. Não sei por que, perdi o recorte do jornal e não consigo recuperar o texto.
         Daí, por falta de inspiração, resolvi retomar o tema e tentar resgatar as ideias que lá coloquei.
         Quando a gente chega aos anos que terminam em “enta”, é inevitável o pensamento de que a morte está nos espreitando. Setenta, oitenta, noventa é muito tempo de vida que Deus concede para alguns.
         Como eu estou nessa fase, percebo que hoje há alguns benefícios, que antes não existiam. Pode-se viajar de graça nos ônibus e metrôs das grandes cidades, mediante a apresentação de comprovante da idade. E assistir a peças teatrais e shows sem nenhum ônus. Há atendimentos preferenciais em lojas e Bancos, sem ter que esperar muito. E há também a cultura da gentileza por parte de muita gente jovem, que nos cede seus lugares em veículos lotados.
         E para falar a verdade, realmente, nessa fase dos “enta”, a gente precisa dessas pequenas atenções, porque as pernas cansam à toa, e é difícil ficar em pé por mais de cinco minutos em coletivos lotados. Então, uma gentileza de cessão de lugar é sempre uma bênção, que agradecemos de coração.
Mas, eu gostaria de abordar outro assunto.
Com tantos amigos, que todos os dias, estão partindo para o mundo da espiritualidade, comecei a pensar na possibilidade de eu morrer amanhã, o que não é improvável. Porque a morte não avisa, e ninguém pode prever o momento que ela chegará.
Daí, dei tratos à bola.
E pensei na herança que vou deixar e no seu destino.
Se eu morresse amanhã, quem iria cuidar das minhas plantinhas, que sempre retribuem aos cuidados com lindas floradas? Morreriam todas? Quem as herdaria?
Se eu morresse amanhã, quem leria os livros clássicos, que tanto li e reli e, não consigo me desfazer deles? Shakespeare, Tolstoi, Sartre, Hemingway, Fernando Pessoa, Josué Montello, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Neruda, Graciliano Ramos, Garcia Marquez, Cora Coralina, Marcel Proust e tantos outros.
Se eu morresse amanhã, quem tocaria as minhas partituras ao piano, para alegrar a rua, com Casinha pequenina, Adágio, Muié Rendeira, La Raspa, Berceuse, Jesus, alegria dos homens, Branca, Sonata ao luar, Serenata, Capricho italiano, Vieni sur mar, Sobre as ondas, La paloma?
Se eu morresse amanhã, quem curtiria as fotos antigas  da família e da cidade, que postei no meu arquivo pessoal?
Se eu morresse amanhã, quem assistiria aos filmes japoneses, coreanos e tantos outros que guardo como preciosidades?
Se eu morresse amanhã, quem ouviria os meus CDs de música clássica ou erudita de Mozart, Brahms, Albinoni, Vivaldi, Beethoven, Bach, Bizet, Giuseppe Verdi?
Se eu morresse amanhã, quem continuaria os estudos de japonês, copiando com pincel e tinta de carvão, os livros que importo do Japão? Quem leria esses livros, que me ensinaram tantos fatos da História verdadeira da terra de meus antepassados?
Se eu morresse amanhã, quem cuidaria da Ciranda, que faz a felicidade de tantos amigos meus? As reuniões seguiriam conforme o combinado? Para sempre?
Se eu morresse amanhã, quem faria o intercâmbio com os meus amigos no face book? Bom, eles também acabariam morrendo um dia e tudo acabaria mesmo.
Se eu morresse amanhã, quem escreveria essas crônicas para ocupar espaço no jornal da Alice?
Se eu morresse amanhã...
Há mais de vinte anos, ao organizar a Linha de tempo da Família Osaki, através de fotos, procurei uma tia velhinha (hoje já falecida), para pedir a sua colaboração. E ela me disse toda contente: “Que bom que você veio! Já estou no fim da vida, e quando eu partir, essas fotos serão todas queimadas! Leve tudo que lhe interessar.”
Assim é a vida. A gente acumula certos objetos, fotografias, livros, discos e às vezes, até joias, que nos cativaram um dia. Depois, a gente morre e deixa tudo pra trás. E geralmente, não interessa aos familiares que ficaram. Então, tudo é descartado, como chinelos velhos... Porque os gostos são outros, os tempos são outros, e ninguém gosta de museus de significados duvidosos.
Já me disseram pra parar de adquirir coisas, porque servem apenas para encher a casa, ocupar espaços e não têm serventia. Às vezes, porém, a gente bate os olhos em algo que, sem querer nos cativa de verdade, e o impulso é comprar, mesmo sabendo que dá para viver muito bem sem aquilo.
Mas, a vida é assim. Quando a gente amadurece e deixa de ter vaidades, começa a cultivar certas manias como floricultura, jardinagem, música, leitura, viagens, coleções de porcelanas, de cristais e também a mania de escrever, que desenvolvi nem sei como. Essas manias fazem parte de cada personalidade, e diferenciam uns dos outros.
É a faceta que distingue uns dos outros e torna a humanidade tão interessante.
Mas, quando a gente morre...
Uma vida se encerra e na urna funerária só vai o corpo com um único traje. Mesmo porque lá no outro mundo, os bens materiais não significam nada. Os famosos Faraós egípcios e os nobres Imperadores da China são testemunhas disso.
Então, tudo que se angariou, que se poupou, que se acumulou ficará numa casa vazia, e não interessa a ninguém. Porque a humanidade em geral só quer Money, dinheiro vivo ou propriedades valiosas. Ninguém quer uma coleção de discos, de livros, de porcelanas nem cristais.
Conheci uma senhora que, no final da vida, ao ser visitada por uma amiga querida, retribuía a gentileza dando-lhe de lembrança uma chávena de chá, uma taça de cristal E eram sempre peças de jogos preciosos, que havia ganho no decorrer de sua longa vida. Toda a ternura e o bem querer que sentia deviam encher essas taças, que ela doava com gratidão.
Acho então que, devo também desfazer de minhas preciosidades, pouco a pouco.

Mirandópolis, maio de 2013.
kimie oku in cronicasdekimie.blogspot.com