terça-feira, 30 de abril de 2013




Paixão por fotografias


Sempre gostei muito de fotografias, principalmente das antigas. Elas contam através de imagens a história de um tempo que passou.
O princípio da fotografia está ligado à câmara escura, por onde se passa um feixe de luz para projetar imagens.


E a origem da fotografia está ligada a químicos e alquimistas que faziam experiências com feixes de luz, usando metais como prata, cobre e mercúrio para fixar imagens. Muitos séculos se passaram até que alguém conseguisse fixar uma imagem de verdade. O sucesso ocorreu com Henry Talbot e Louis Jacques Daguerre que após muitas tentativas, conseguiram fixar imagens reais.
 No começo, era tudo muito difícil. Aos poucos, porém, foram desenvolvendo técnicas para fixar e copiar imagens, até chegar à foto em branco e preto. Daí foi uma revolução. Os pintores de retratos da época pensaram que era o fim de suas carreiras. E propagou-se a ideia de que a fotografia roubava a alma de quem era copiado. Muita gente não aceitava ser fotografado por medo de ter a alma roubada. Crendice burra e inocente...
Daí pra cá, muita coisa mudou.
Antes, só se fotografava num estúdio, onde o fotógrafo escondia sua cabeça sob uns panos escuros, olhava para o cliente e dizia “Olha o passarinho!” e dava um clique. E a imagem era trabalhada numa câmara escura para ser revelada.
No início, todas as imagens eram em preto e branco.
Hoje há câmeras que fixam imagens coloridas e até tiram cópias instantaneamente.  E celulares também fotografam.
Existem fotografias famosas que curto muito. A mais chocante de todas é sem dúvida, da menina norte vietnamita, nua e ferida com as bombas napalm, fugindo do ataque aéreo lançado pelos sul vietnamitas, durante a Guerra do Vietnã.  Outra que chocou o mundo foi a do chinês que, tentou parar os tanques que avançavam contra a Praça Tiananmen, onde se concentravam os estudantes, em protesto contra o regime autoritário da China. Há ainda a foto dos Beatles, que revolucionaram a música, atravessando a Abbey Road em 1969, numa sincronia perfeita. A foto de Marilyn Monroe segurando a saia esvoaçante também é muito bela. Mas as mais interessantes, acredito que sejam a do famoso cientista Albert Einsten mostrando a língua para o fotógrafo e a do guerrilheiro Che Guevara, que se transformou em símbolo de liberdade e ícone no mundo inteiro.

Mas, não é sobre as melhores fotos que quero versar. Quero é falar da fotografia como testemunho de uma época, como registro de feições de pessoas ao longo dos anos. Sempre que olhamos uma foto própria pensamos “Como estou velha! As rugas se multiplicaram!” Anos depois ao ver a mesma foto, a gente muda imediatamente de opinião: “Puxa! Como eu era nova! Agora sim, envelheci de vez!” E assim, continuará até o fim. A fotografia mostra a verdadeira face que temos. Não a fotografia de photoshop, que corrige todas as imperfeições e exibe um rosto perfeito e irreal. Também não precisam exagerar como fazem as máquinas da Ciretran, que deformam as imagens das pessoas, que renovam ou solicitam Carteira de Motorista. Elas conseguem transformar todos em verdadeiros bruxos e bruxas...
Considero a fotografia um documento, um documento que não mente. Ela registra as mudanças que ocorrem com o rosto e o corpo humano ao longo dos anos, guardando imagens num pedaço de papel, que muitas vezes nem lembramos mais. As mudanças ficam gravadas para sempre. E aí está o encanto.
Ultimamente publicar no face book, fotos antigas e identificar as pessoas que lá aparecem com ajuda de amigos de diversos recantos, tem se tornado um grande passatempo. É gratificante de repente, relembrar nomes de amigos que estavam meio esquecidos... E rever suas imagens de tempos atrás, quando eram crianças ou adolescentes.
Nada é mais prazeroso do que ver fotos de momentos vivenciados com amigos há décadas atrás, que nos fazem voltar ao passado e relembrar uma época que ficou para sempre na memória.
Gosto muito de tirar fotos de flores, de animais, de paisagens. Mas, nada supera o prazer de fotografar gente. Cultivo uma ideia há anos: Se pudéssemos fixar e conservar as fotos de todas as gerações de nossas família, poderíamos comparar as mudanças que vieram ocorrendo ao longo dos  tempos. Infelizmente, não tenho nem fotos de meus avós paternos, pois lá nos princípios de 1900, a fotografia ainda não era acessível como é hoje. Era um luxo exclusivo das pessoas abastadas.
Por tudo isso, costumo fotografar a família em qualquer reunião, para registrar os momentos compartilhados. E até já contei a história da família Osaki através de fotos, as registrei em DVD e distribuí cópias para todos os membros. Assim, as imagens ficarão preservadas.
Mesmo na Ciranda que já tem dois anos e meio de existência, vou fotografando os Encontros, guardando imagens de felicidade dos amigos que lá vão cirandar. E com isso, percebi que fiz uma coisa ótima: imagens de amigos que partiram ficaram preservadas. Já perdemos sete amigos cirandeiros nesse período, mesmo porque todos são pessoas idosas, e morrer faz parte de nossa existência.
        Quando começo a matutar com os meus botões, me passa uma tristeza tão grande. É que a gente vive com tanta gana, com tanto afã, com tanto entusiasmo e no fim, tudo acaba. Quando a vida se vai, tudo acaba. Fica apenas um nome e algumas fotografias. Quando muito, restará um nome numa das ruas da cidade, no banco do jardim, na lápide do túmulo. É certo que as imagens e os sentimentos permanecerão um bom tempo entre os familiares. Mas, até isso acaba passando. Os mais chegados também irão morrendo e as lembranças serão enterradas com eles.
É por isso que, quando pego uma foto antiga, fico imaginando a história daquela personagem, os desejos e sonhos que cultivou, o que conseguiu realizar, se foi feliz, se de alguma forma valeu a pena viver.
Porque no fim, ficarão para a posteridade apenas nomes e algumas  fotografias. Por isso, fotografar é preciso.

          Porque uma imagem vale mais que mil palavras.


          Mirandópolis, abril de 2013.
Kimie oku in cronicasdekimie.blogspot.com


 Legenda: 1 - antepassados dafamília Osaki
               2 - antepassados da família Tsutsumi
               3 - papai e mamãe
               4 - Noriyoshi e Kimie



sexta-feira, 26 de abril de 2013




Cirandando no céu

Estive ausente uma semana, por conta de problemas pessoais.
Ao voltar, constatei que fiquei mais pobre. Mais pobre de amigos, porque numa semana de apenas sete dias, três amigos foram embora. Deixaram a vida terrena, para irem morar na casa do Senhor.
É verdade que eram pessoas idosas, acima de oitenta anos de  vida bem vivida, mas não deixa de provocar uma imensa tristeza,  o fato de nunca mais podermos usufruir de suas companhias. Porque é tão gratificante ver um amigo, trocar ideias, ouvir suas queixas sobre a saúde, sobre o salário curtinho, e outras coisas mais que fazem parte da existência de todos nós.
Eu sabia que a vida do nosso grande mestre Walter Víctor Sperandio estava por um fio, por causa da saúde precária.  Viver para ele já se tornara um grande fardo. Não conseguir falar e se fazer entender era doloroso demais para ele e para os que o cercavam. E a consciência do próprio estado o entristecia muito.
Um dos momentos mais emocionantes que vivi foi quando ele foi ao Encontro da Ciranda. Lembro-me que os amigos admiradores seus o carregaram na cadeira até dentro do salão, onde curtiu a roda da Ciranda. Já estava cambaleante, mas ainda conseguia falar e chegou até a declamar uns versos.
Até o fim, continuou sendo aquele homem gentil de sempre. Numa das últimas vezes que o visitei, ele conseguiu falar e eu consegui entender: “Desculpe por não te acompanhar até a porta” (Não conseguia nem caminhar mais, mas jamais perderia a classe!) Walter Víctor Sperandio...
O seu Jorge Cury foi um homem que participou de uma época muito importante na História de Mirandópolis. Quando o nosso Ginásio Estadual foi instalado, ele foi nomeado Inspetor de Alunos, função que exerceu por décadas. Sua tarefa era controlar a entrada e a saída dos alunos. Então, os gazeteiros o conheceram bem, porque ele ficava na marcação para evitar que matassem aulas. E diariamente, ele carimbava uma caderneta de presença de todos os estudantes que iam à escola. As carimbadas atestavam se o aluno esteve ou não na escola, e tudo era bem controlado. Era muito rigoroso, e não deixava nada escapar. Além disso, ele participou de outras atividades como organizar os desfiles em datas cívicas, participar de jogos estudantis, sempre como zelador do bom nome da escola Noêmia Dias Perotti.
Já no fim da vida, quando estava sozinho, após a partida de sua querida dona Luisinha, ele participou de encontros da Ciranda. Tinha um prazer, um gosto particular de comparecer e dizia que, gostaria que os encontros ocorressem mais vezes ao mês. Enquanto a saúde lhe permitiu, compareceu e participou da Ciranda com muita alegria, onde era bastante estimado por todos. Ele foi feliz enquanto viveu entre nós. Jorge Cury...

O senhor Aristides Florindo foi o Diretor da Escola Ebe Aurora por décadas. À época em que foi designado para dirigi-la, a clientela era paupérrima, porque o bairro era um dos mais carentes da cidade.  Juntamente com seu Assistente de Direção, Professor Yussuf Hsain Alaby e a equipe de professores e funcionários, conseguiu vencer inúmeras dificuldades, através de campanhas para ajudar os mais necessitados. Sempre teve uma postura digna e atendia a todos com simplicidade, de igual para igual. Isso o tornou muito respeitado no bairro. Dezenas de alunos problemáticos cumpriram sua escolaridade, porque o Diretor Aristides, zeloso de suas obrigações, convocava os pais para participarem mais da educação de seus filhos. Sempre procurou corrigir as falhas dos alunos, levando muito a sério a formação de todos.
 Hoje há tanta gente trabalhando na sociedade local, que não fossem as reprimendas e os conselhos dele, teriam tido destinos diversos, de muito sofrimento. Todos se tornaram cidadãos trabalhadores e honestos.  E isso é uma obra humanitária que nem sempre aparece.
Trabalhei por mais de uma década sob sua chefia e aprendi a respeitá-lo. Mesmo ocupando o cargo máximo na escola, reconhecia suas limitações na parte pedagógica e confessava isso de público, o que mais o engrandecia pela humildade.
Mesmo tendo sido educado num regime meio autoritário da época, aos poucos foi se adaptando e aceitando as mudanças da modernidade, sem criar conflitos.  Foi um Educador na essência da palavra. Sempre lhe tive muito respeito. Aristides Florindo...
Walter Víctor Sperandio, Professor, Artista Plástico, Projetista de obras fantásticas que deixou para a posteridade,
Jorge Cury, Funcionário Público que participou da formação e da educação de várias gerações de mirandopolenses, e curtiu a vida até o fim com alegria e simplicidade,
Aristides Florindo, Educador que ajudou muitas crianças e jovens a evitarem os descaminhos da vida,
Suas vidas permeadas de trabalho, de dedicação, de persistência não foram em vão. Seus nomes sempre serão lembrados com reverência...
E desejo de coração, que agora estejam cirandando no céu.
Numa roda de anjos...

Mirandópolis, abril de 2013.
kimie oku in cronicasdekimie.blogspot.com

segunda-feira, 15 de abril de 2013




         Como eu gostaria...

Gostaria de escrever só coisas agradáveis para deixar meus amigos contentes. Gostaria de saber usar o verbo só para transmitir alegria.
Gostaria de saber usar as palavras de um jeito que consolasse quem está magoado. Gostaria de passar boas ideias para espantar a tristeza dos dias vazios.
Gostaria de passar imagens positivas e despertar o entusiasmo nos jovens. Gostaria que os meus textos fossem uma linda canção, que encantasse quem a ouvisse.
Gostaria de passar força e coragem para as pessoas pelejarem com alegria, todos os dias de suas vidas, sem esmorecer nunca.  Gostaria de estimular quem está desanimado, empurrar quem está parado, acelerar quem está quase parando.
Gostaria de dar forças aos desalentados, de despertar a fé em quem não crê. Gostaria de ouvir as pessoas sós, que não têm com quem conversar.
Gostaria de inspirar as pessoas a construírem coisas boas, que sirvam à comunidade. Que suas vidas não sejam vãs. Que deixem um bom legado neste mundo, comprovando sua passagem.
Gostaria de despertar os jovens para a realidade da vida. Gostaria que eles não buscassem ilusões nos descaminhos que destroem. Gostaria que eles parassem,  observassem, refletissem e aprendessem com os erros dos outros, para não errar também. Sem que ninguém precise chamar-lhes a atenção.
 Gostaria de ajudar os que sofrem, dando-lhes um pouquinho de alento enquanto me leem.
Gostaria... gostaria... gostaria...
Apenas desejos. Apenas sonho. Apenas anelos.
Quem deveria ler, não lê. Quem não quer aprender não imita, nem pratica os bons exemplos. Quem quer se realizar o faz sozinho, sem um empurrão alheio.
A humanidade é complicada e difícil de entender. A maioria não lê. A maioria não faz reflexões. O máximo que faz é criticar posturas de outrem, sem uma análise profunda das razões, que há por trás delas.
E tudo é modismo. A tevê pregou? Tá na moda! Por que o ser humano gosta de se rastejar, quando pode andar verticalmente? Por que não age de acordo com seu pensar? Por que gosta só de imitar, mesmo que seja ridículo? Por que não usa mais sua massa cinzenta?
Na última crônica, revivi a vida dura que nossos pais e, nós mesmos levamos quando jovens, porque tudo era inaccessível, caro e difícil. Não existia tecnologia e tudo era rústico, bruto e pesado. Todo trabalho exigia o esforço humano e, muitas vezes, esforço sobre-humano para vencer dificuldades, porque as máquinas não haviam sido inventadas. As semeaduras e colheitas eram feitas só manualmente, mas quem estava disposto a vencer não entregava os pontos. E assim, foram construídas casas, pontes sobre rios, poços foram furados, florestas imensas derrubadas, águas represadas. Tudo no muque, na força do braço humano. Musculação era cultivada no trabalho, na lida dura de cada dia. Sem luxo, para sobreviver.
Como conseguiram?
É que encararam toda obra grandiosa como um desafio a vencer. Ninguém ficou sentado à beira do caminho, pedindo para o Governo vir socorrer.
O homem tinha brio. E acreditava em si mesmo.
Hoje tudo é difícil, não dá, o governo não ajuda, não compensa. Tudo eu, tudo eu!
Em que curva do caminho, a humanidade se perdeu assim? Ninguém mais tem força para escalar, subir os degraus, um por um. Quer ir logo ao topo de uma vez e ainda quer ajuda... Em que volta dos caminhos, ele perdeu o brio, o orgulho de lutar e vencer? Até onde irá essa inércia, essa preguiça humana?
Como será o futuro da humanidade?

Mirandópolis abril de 2013.
kimie oku in cronicasdekimie.blogspot.com



       População centenária

     Antigamente, as pessoas viviam até os 50, 60 anos de idade.
     Hoje, a humanidade está vivendo até e além dos cem anos. Para isso, contribuiu muito o estilo de vida que ela passou a adotar, exercitando o corpo, cuidando da saúde e alimentando-se corretamente.
Essa longa existência seria uma preocupação muito grande se cada família tivesse prole imensa de seis ou mais filhos cada uma, como era costume antes. Mas, hoje os casais têm um ou dois filhos apenas e, a população mundial fica mais ou menos equilibrada.
Houve uma época, em que o Japão não conseguia equilibrar a população que precisava de alimentos, e a comida que era sempre insuficiente. (Não havia terra cultivável porque lá é uma ilha, onde as montanhas predominam). Tanto é que, os idosos que chegavam aos setenta anos eram considerados improdutivos e deveriam morrer, para que a comida fosse suficiente para os mais novos. Esse fato foi narrado em Balada de Narayama (duas Palmas de Ouro de 1983, em Cannes), filme de Shohei Imamura. Narayama é uma montanha, onde eram deixados os velhinhos condenados, para aguardarem a morte, durante o inverno que cobria tudo de neve. E além desse fato doloroso, quando nasciam meninas eram vendidas em troca de sacos de sal. (Razão para isso? As mulheres seriam alimentadas até chegarem à época da produção, mas acabavam se casando e beneficiando outras famílias). As pequenas se tornavam escravas de seus donos, que as transformavam geralmente em gueixas ou mesmo, em prostitutas. Tempos duros e terríveis, em que a fome imperava e estabelecia leis cruéis de sobrevivência, sem outra alternativa.

Acredito que, fatos semelhantes devem ter ocorrido em várias partes do mundo, mas isso ninguém gosta de divulgar, porque desonra o país que os cometeu. E também, em diversos lugares, a população era equilibrada pelas guerras, que destruía milhares de vidas de jovens nos confrontos, eliminando assim, os excedentes.
Agora, assistindo a humanidade prolongar sua existência para além dos cem anos, fica a pergunta: Até onde o homem é capaz de sobreviver? Cento e cinquenta anos? Duzentos anos?
É verdade que tudo depende do estilo de vida de cada um. Mas se todos adotassem uma alimentação saudável, se todos passassem a cuidar do corpo para não adoecerem, se todos evitassem estresses, até onde iria a humanidade?
Mas, é muito difícil um senhor ou uma senhora que chegue aos cem anos com a mente tão sã como o corpo. Casos como o da dona Shina Aoki, que entrevistei outro dia são muito raros. Ela está no seu juízo perfeito, ouve bem, anda com as próprias pernas, não precisa de óculos para ler, e ainda pratica esporte e cuida de horta. Irá comemorar os cem anos de existência em setembro próximo.
Viver por viver até os cem anos, mas com o corpo destroçado ou a mente alienada não é viver.
A humanidade buscou incessantemente a fonte da juventude, porque sempre almejou viver mais primaveras. Entretanto, todos os esforços foram vãos. Até hoje ninguém sabe dessa fonte. Descobriram sim, a fonte da longevidade. E isso vai ter muitos adeptos, porque ninguém quer morrer. Por mais difícil que seja a vida, ninguém quer morrer. Todos se apegam ferrenhamente à vida.

E em todas as partes do mundo, há notícias de gente se esforçando para viver de forma saudável e, esticando a existência além do previsto. Tanto é que as pessoas começaram a comer comida mais leve, sem excessos, a praticar atividades físicas regularmente, a fazer exames médicos periódicos, para ter uma vida mais agradável, sem surpresas que matam.
Por outro lado, há ainda muita gente que excede na comida, na bebida, no cigarro, nas drogas. Comida em excesso e bebida além do controle também são vícios como as drogas e o cigarro.
Há tanta gente que não bebe e não fuma (graças a Deus!), mas que come igual um batalhão em fim de guerra. Comida em excesso estufa o estômago, força a bile, exige mais do intestino, da circulação e tudo conduz a um colapso. Colapso que muitas vezes é irreversível.
Mas são jovens que ainda aprenderão a se cuidar, quando o primeiro sinal vermelho apitar. Isso para aqueles que se preocupam com a própria saúde e sua existência...
 Por outro lado, se todos se cuidassem como deve ser, os centenários dominariam este planeta e o que seria do futuro da humanidade? Mesmo porque estes não procriam mais.
E a Terra seria habitada só por idosos até o final dos tempos... Sem o sorriso de crianças, sem a alegria dos jovens. Sem alternâncias...
Triste, muito triste.
Então, que tudo continue como está, né?


Mirandópolis, abril de 2013.
kimie oku in cronicasdekimie.blogspot.com


sábado, 13 de abril de 2013




                        Leilão de Gado

   Todo ano, Mirandópolis realiza um leilão de gado para arrecadar verbas para manter a Escola da APAE.
     Já vai indo para a 34ª edição dessa festa, que congrega toda a sociedade mirandopolense e das cidades circunvizinhas.
     Não sei de quem foi a iniciativa, mas já virou tradição, e a Escola cresceu e atendeu a centenas de alunos que precisam de atendimento especializado.
      Sei que a cada ano, mais gente está se envolvendo com a realização do evento. E nos meses de março a abril, todas as lideranças se empenham em dar a sua contribuição, para que haja sucesso.
     Mesmo assim, acho que muita gente ainda está omissa, porque Mirandópolis é muito maior que a turma que faz campanhas em prol da sociedade. Há muita gente que não doa nada, não se preocupa com as dificuldades que essa instituição enfrenta, para dar uma assistência mais completa a seus alunos, que além de crianças, inclui adultos também.
       Acho que todos podem contribuir com alguma coisa. É apenas uma vez por ano. Para o Leilão é evidente que são necessárias cabeças de gado, bois, novilhas, garrotes, bezerros... Para os fazendeiros e sitiantes, que têm a bênção de possuir uma porção de gado no pasto, destinar um bezerro que nasceu no ano anterior para esse evento, não será um sacrifício tão grande.
    Por outro lado, como a festa é regada com um churrasco, é possível colaborar com outros materiais como pães, farinha para a farofa, legumes (tomate!) para o molho, guardanapos e que tais. E há a bebida também.
     Como as mulheres não podiam ficar de fora nessa festa, um Bazar de Artesanato também rola durante o Leilão. E para isso são necessárias as prendas. Toalhas de mesa, guardanapos, toalhinhas de crochê e outros trabalhos manuais, que toda mulher sabe fazer.
   Além disso, há ainda uma seção de doces, confeccionados pela senhoras habilidosas voluntárias, que passam tardes inteiras na sede da APAE, descascando os ingredientes para a feitura dos saborosos doces, que já se tornaram sucesso de verdade.
    Como não sou doceira, entro com peças de artesanato, que não me custam nada, pois faço com o maior carinho.
     Mesmo as pessoas que não têm nada para dar podem doar o seu dia, trabalhando durante o Leilão, ajudando a controlar as vendas, vendendo, servindo ou mesmo fazendo a faxina, que é tão necessária.
      Devemos lembrar que nenhum pai ou nenhuma mãe pediu para ter um filho excepcional. Como ocorreu com outros poderá ocorrer com a gente, com nossos filhos, sobrinhos, netos. E, estender a mão nesse leilão, é apenas uma demonstração de solidariedade. Solidariedade que é tão bem vinda para os alunos e seus pais.
     A sociedade mirandopolense zela pelos seus cidadãos mais necessitados, mantendo a Casa da Criança (Precisa de ajuda!), APAE e a AMAI (asilo).
     Acredito que a maior ajuda é a que vem do coração, com a doação do tempo, como faz um amigo que há décadas vem cuidando dos dentes dos alunos da APAE. Outros profissionais poderiam seguir esse exemplo. Porque doar um colchão, doar alimentos é muito fácil. Doar o tempo para dar atenção aos velhinhos da AMAI, ou brincando com as crianças da Casa da Criança, enquanto seus pais trabalham, esta é a verdadeira doação, porque elimina barreiras.
    Doação material às vezes é necessária, mas doar atenção, ouvir os velhinhos solitários, as crianças que sentem saudades da mãe que está cortando cana, esta sim é a verdadeira solidariedade.
     É por isso tudo que o Leilão virou um sucesso, pois envolve toda a comunidade. Os alunos e seus pais participam da campanha, trabalhando, e aceitam essa ajuda com alegria, porque sentem a simpatia e o apoio de toda a sociedade. Não é caridade que humilha e fá-los sentir pequenos, mas uma obra necessária para o bem de todos.
Respeito é muito bom.
Parabéns aos organizadores da Festa e sucesso para todos.
Ah! E se você não contribuiu com nada, ainda é tempo! Vá lá no domingo dia 14 deste, almoçar com a família.

Mirandópolis, abril de 2013.
kimieoku in cronicasdekimie.blogspot.com


quinta-feira, 11 de abril de 2013


        Charretes e carroças


Andei postando uma foto de charrete da dona Marieta e seus netos no facebook, que despertou lembranças em muitos amigos.
E o Anacleto Tavoni mandou uma mensagem pedindo para escrever dos tempos passados, quando havia a Casa Moreira e a Casa Santa Glória. Achei muito interessante a ideia e dei tratos à bola.

Mas, muitas lembranças se perderam ao longo dos anos e não tenho tantas recordações assim. Mesmo assim, resolvi puxar pela memória...
Antigamente, quando não havia carros, caminhões nem motocicletas, as pessoas andavam a pé. As de mais posses andavam a cavalo. E as de muito mais posses andavam de carroças e charretes.
Isso fazia parte do cotidiano. Na cidade circulavam as carroças, misturadas com charretes e cavalos, todos transportando gente ou mercadorias. Havia pontos de charretes na praça, atrás da estação ferroviária e mais tarde à frente do Bar do Ponto, onde paravam os ônibus que faziam as ligações com outros municípios. Nas portas das vendas e dos botecos, havia sempre umas argolas no chão da calçada ou traves de madeira, para se amarrar os animais, enquanto o dono fazia as compras ou se embebedava. E junto da linha férrea, ali onde existia uma cancela na passagem de nível, havia um grande reservatório de água para matar a sede dos animais de carga. Não sei que destino deram a ele, mas estava lá até alguns anos atrás.

As ruas eram estreitas e era muito difícil para o cidadão circular no meio desses veículos e cavaleiros, porque não havia regras para se organizar melhor o trânsito de todos. Cada um que cuidasse de si.
Mas, não havia acidentes; só de vez em quando, uns aborrecimentos por conta de gente mais grosseira, que não respeitava os pedestres. Exatamente como hoje!
As cidades passavam a semana inteira num marasmo sem fim. Nas vendas ou armazéns que vendiam de tudo ou nos botequins, raros eram os fregueses. Assim eram chamados os clientes.
A vida acontecia no campo. O povo morava na roça. Todos pelejando de sol a sol, derriçando café, rastelando, abanando e ensacando para levar à Comercial Perez, para pagar as contas do Banco e das vendas. Nas vendas e nos armazéns, todos tinham contas, em cadernetas onde se marcava tudo que era fiado. E só era pago na safra. A Casa Moreira era o Armazém maior, seguido de Casa Santa Glória. Ambas vendiam de tudo, desde arroz e feijão a granel, ferramentas para a lavoura e até tecidos finos. Lembro-me que, na minha formatura de Professora normalista em 1960, comprei o tecido na Casa Santa Glória para o vestido da missa solene de formatura. Esta Casa vendia tecidos mais raros e bonitos que a Casa Moreira.

Mas, a vida verdadeira ocorria na roça, para onde se voltavam os olhos dos comerciantes, porque uma boa safra significava sucesso nas vendas.
 O povo não vinha à cidade para as missas. Estas ocorriam na Capelinha da roça, que ficava cheinha de lavradores de mãos calejadas, para ouvir o Evangelho de Jesus e o sermão intransigente do Padre Epifânio. Geralmente nesses dias de missa na capela da roça, havia à tarde uma partida de futebol, reunindo jogadores e torcedores de vários bairros rurais de Mirandópolis, como Pé de Galinha, Monte Serrat, Vila Nova, Ribeirão Claro, Amandaba, Km 50... Ocasionalmente, havia um arrasta-pé à noite, animado com uma sanfona e uma viola que tocavam a verdadeira música caipira, oportunidade que era bem aproveitada para começar os namoros e firmar casamentos.

O comércio na cidade dependia totalmente da lavoura de café, de algodão. Se não chovia durante meses, os comerciantes olhavam o céu e coçavam a cabeça, pensando de antemão que, as contas pendentes dos agricultores não seriam pagas facilmente... E eram contas bem volumosas.
Mas, quando a colheita era farta, as ruas fervilhavam de gente comprando, comprando. Gente nas barbearias mudando o visual; alguns vinham desbastar os longos cabelos e barbas, cultivados por promessas; as farmácias sempre lotadas à procura de Elixires, de remédios para as feridas, de purgativos, de vitaminas, de brilhantinas, de pó de arroz, de batom; os bares derramando gente porta afora, com os bebuns de sempre falando alto e arrumando rixas por conta de palavras mal faladas e mal entendidas...
E à porta da Casa Santa Glória e da Casa Moreira, e mais tarde na Venda do seu João Ascêncio, os caminhões encostavam com os lavradores que vinham fazer a feira. E tratores com as carretas cheias de gente da roça.
Era uma multidão, sempre. Famílias inteiras desciam e compravam ferramentas para a roça, querosene para os lampiões e lamparinas, porque luz não existia, arroz, feijão, açúcar, carne seca, sardinhas salgadas (manjuba), farinha de mandioca, de trigo, alpargatas, metros de algodão cru e sarjas para a feitura de roupas da roça, chapéus de palha. O arroz, o feijão, a farinha e o açúcar eram comprados em sacas de até sessenta quilos, porque as famílias eram compostas de vários membros, e o arroz, feijão e farinha eram o alimento básico para o sustento de todos. Comia-se pouca carne, porque era cara e o dinheiro não dava para tanto. Legumes e verduras ninguém comprava, pois todos tinham uma hortinha na roça para o consumo da família. E lá se criavam porcos e galinhas, que forneciam a banha para uso diário na cozinha, ovos e ocasionalmente carne para os domingos e feriados.
As padarias ficavam lotadas de gente comendo pão com mortadela e tomando guaraná, que tinha no rótulo o desenho de uma maçã. E a molecada e as mulheres não dispensavam o sorvete, que era só de palitos. Enquanto isso, os homens bebiam cachaça no boteco da esquina. Era uma grande festa, que só ocorria uma vez por mês.

As Casas Pernambucanas também eram um ponto de encontro, onde as mulheres iam comprar os tecidos de chita em metros para confeccionar, elas próprias, os vestidos da família. A moda prêt-à-porter não havia sido inventada ainda. Tudo tinha que ser confeccionado. Era o tempo das costureiras, que faziam saias, blusas, vestidos, calças e até vestidos de noiva. Os alfaiates faziam os ternos. Muita gente chique usou o linho 120, que era branco e acetinado para fazer seus ternos, que eram lavados e engomados na Tinturaria do seu Benvindo, pai da professora Edite Cyrillo, se não me engano. Ah! Também esteve na moda o chapéu panamá, que era branquinho e era engomado também nessa Tinturaria. Os homens eram muito elegantes. O chapéu era parte do vestuário.
Havia também muitas carroças. Eram dos moradores isolados, que não dispunham de caminhão e vinham fazer as compras com a família. Nessa época, os Marconato fabricaram muitas carroças que circularam por anos, servindo à população. Hoje remanescem algumas ainda, transportando pedras e areia para as construções.
As ruas eram de terra batida, e se tornava um problema nos dias seguidos de chuva, porque virava um atoleiro só.  Com os ocasionais caminhões e carroças que circulavam, as rodas formavam valetas que ficavam intransponíveis para os pedestres... No tempo do estio, era uma poeira só. As lojas se impregnavam de poeira e seus donos ficavam espanando tudo com espanadores de penas longas, de avestruz diziam. Nesses dias muito secos, a Prefeitura mandava um caminhão-pipa irrigar as ruas para apagar a poeira.
Foi mais ou menos por essa época que começaram a surgir os serviços de alto falantes, que anunciavam os fatos mais importantes que ocorriam na cidade, além de tocar músicas que estavam nas paradas e os jovens aproveitavam para oferecer às moças, como “prova de amor” ou “prova de amizade”. Cantores famosos? Ângela Maria, Marlene, Cauby Peixoto, Orlando Silva, Mário Zan, Emilinha Borba, Nélson Gonçalves e tantos outros... As gravações eram em long plays de vinil, em 78 rotações. Só algumas casas mais ricas possuíam a vitrola para tocar essas músicas. Tudo isso era um grande sucesso, porque não existiam televisão nem emissoras de rádio na cidade. Às dezoito horas invariavelmente, os alto falantes apresentavam a Hora da Ave Maria, ou Ângelus, em que se rezava em alto e bom som o terço, agradecendo mais um dia de trabalho.
E as festas aconteciam em volta da Igreja do Padre Epifânio, com suas famosas quermesses. A cidade toda comparecia, doando frangos e leitoas assadas com capricho, que eram arrematados pelas pessoas que tinham mais recursos para pagar os altos lances. Durante essas quermesses, muitos namoros se iniciaram com a troca de correios elegantes, e firmaram-se noivados que acabaram no altar, com as bênçãos do mesmo padre.
Volta e meia acontecia um baile com as orquestras famosas da época, dentre as quais podemos lembrar de Pedrinho e sua Orquestra de Guararapes, Orquestra Marajoara de Jaboticabal, Nelson de Tupã e a Orquestra Sul América de Catanduva. Era a época dos vestidos rodados, de vários saiotes para destacar a cintura fina das moças. E as moças eram magras mesmo, de cintura fina a tal ponto de poetas compararem o corpo de suas amadas a um violão.  Hoje tudo está mudado. Cintura fina nem existe mais... As moças ficaram imensas e as roupas se transformaram em segunda pele que colam nos corpos, destacando as  feias  protuberâncias...
Também me lembro que os estudantes, cruzavam as ruas indo ou voltando das escolas, animando a cidade. Havia muitos estudantes, e os jovens eram puros e inocentes, que respeitavam os mestres e estudavam com afinco. O máximo de safadeza que praticavam era fugir das aulas para ir jogar bola, ou furtar melancias e laranjas nos quintais alheios. Não havia drogas e nem gangues, felizmente. Vida saudável, juventude sem problemas maiores.
Sobre carroças, lembro-me de um episódio engraçado: o Paulinho, meu amigo era um moleque ainda. Um dia o bucheiro, que vendia as vísceras dos animais pelas ruas, estacionou seu carrinho em frente ao açougue de seu tio. O Paulinho ficou olhando, olhando e não teve dúvida. Pegou um rebenque, subiu na boleia e chicoteou o animal, que disparou pelas ruas, indo para a Rafael Pereira, correndo numa disparada só, com os tios correndo atrás, para evitar acidentes... Felizmente, tudo acabou bem, com uma grande coça no menino arteiro.
E havia os entregadores de pão e de leite, que percorriam a cidade em suas carrocinhas, de madrugadinha gritando: “Olha o pão quentinho”  “Olha o leite” . O pão era depositado nas janelas das casas dos compradores mensalistas, e o leite de vaca era deixado em garrafas nas portas das casas. Não havia leite em saquinhos nem em caixinhas como há hoje. Era leite puro de vaca tirada de madrugadinha, e não tinha conservantes e nenhuma soda cáustica, como ocorreu recentemente com uma marca de leite embalado em caixinhas.
Também a água para se beber era buscada na mina de água na Fonte Nossa Senhora Aparecida, lá atrás da Penitenciária. Cada família buscava para seu consumo, porque a água ainda não era comercializada.
Aí chegaram os anos setenta, com a televisão, o telefone que se popularizou, e tudo se transformou. A vida simples foi se modificando.
Chegou o asfalto. Veio a crise do café e os cafezais viraram pastos para o gado. Acabou-se a lavoura. Os lavradores mudaram para as cidades. Estas ficaram inchadas, com grande parte da população vivendo uma vida difícil, desempregada e passando necessidades. Surgiram as favelas até em pequenas cidades do interior, com casinholas feitas de ripas misturadas com papelão. O nível de vida da população caiu para zero por cento, trazendo como consequência, os latrocínios, os furtos e enchendo as casas de reclusão.
No lugar das charretes e carroças vieram os carros, caminhões e aviões. Tudo ficou acelerado e as pessoas passaram a viver uma vida agitada, insatisfeita, comandada pelos programas idiotas de tevê.
E aí veio o computador. E o celular. E a tecnologia se acelerou de um jeito, que ninguém consegue mais acompanhá-la.

Há vantagens na vida de hoje, com todas as mudanças que ocorreram? Sim! Há muitas. Tudo ficou mais fácil e accessível, para todos.
Mas, por que é que a gente tem tanta saudade daqueles tempos duros, quando tudo era simples e inocente?
Por que será, Anacleto Donizeti Tavoni?

         Mirandópolis, abril de 2013.
         kimie oku in cronicasdekimie.blogspot.com

        Ressalva: O bebedouro dos animais está no mesmo lugar, na passagem de nível, e dizem que é uma peça antiquíssima. Nos primeiros tempos sua localização era na Rafael Pereira, nas proximidades do antigo Bazar Tietê.