quinta-feira, 12 de abril de 2012

             Sobre cristais e porcelanas










    
     

Conheci uma senhora que no fim da vida, costumava brindar os amigos com objetos preciosos, que possuía. Às vezes, era uma chávena de chá, outras, uma taça de cristal, objetos esses que ela conservou durante décadas, como pertences preciosos, porque lhe traziam lembranças de pessoas que os deram.
         Mas, no final da vida, ao se desapegar das coisas terrenas e desejando de alguma forma, conservar essas preciosidades com o mesmo cuidado e zelo, ela os doava a amigos, que sabiam o valor inestimável de um presente dado de coração.
     Lembrei dessa história tão linda, ao lavar as peças de porcelana e cristais, que também conservo com carinho, pela mesma razão daquela senhora. Cada peça que fui lavando tem uma história, e traz lembranças de pessoas, que um dia cruzaram o meu caminho, e tiveram a gentileza de me ofertar coisas tão delicadas e finas.
         Tenho taças douradas de cristal, que pertenceram à mamãe, e que durante anos e anos, ela conservou sem usar, para não quebrá-las. Nunca foram usadas e não tiveram serventia alguma, mas, o fato de terem pertencido a ela, de terem sido manuseadas por suas mãos, tornaram-nas tão preciosas, que as conservo como tesouros.
         Tenho bules e chávenas de chá e café com desenhos delicados, que sempre me trazem a lembrança do casal, que nos presenteou por ocasião do casamento, há quase cinqüenta anos. A imagem deles ficou eternizada, tão jovens ainda, nos pires e xícaras, que estão comigo há décadas.
         Tenho xícaras de café tão bonitas, com asas cheias de arabescos, que me lembram sempre a querida amiga artista, que me presenteou.
     Tenho chaleiras e copos japoneses de tomar chá, que ganhei de familiares, e toda vez que tomo chá neles, imediatamente, a lembrança dessas pessoas me vem à memória. Então me assalta uma imagem meio confusa, das gentis feições dessas pessoas queridas, misturada aos inigualáveis desenhos chineses e japoneses dos copos.       
       Quando toco nesses objetos, faço uma viagem no tempo, e rememoro tantas lembranças boas, que rechearam a minha vida. Taças de cristais e peças de porcelana são, sempre lembranças de bons momentos, que ficaram marcados para sempre.
      Ainda há um aparelho de jantar, que recebi de colegas de trabalho, também por ocasião do casamento. É tão lindo, com desenhos de flores e filetados a ouro, que me encantam toda vez que os vejo. E me levam até Amandaba nos idos da década de 60, onde trabalhei com colegas que, por recomendação do Diretor da época, escolheram o conjunto mais belo que havia na praça. E é realmente belíssimo.  É de encher os olhos.
       Desde que o primeiro homem pisou esta Terra, muita coisa mudou. No princípio, comia-se com as mãos naturalmente, sem usar nenhum acessório. Depois, foram  adotadas cumbucas para se beber água. E aos poucos, inventaram outros meios de melhorar a postura, que resultou no uso de talheres e pratos e copos. Há, entretanto nas selvas de várias partes do mundo, gentes que ainda vivem naturalmente, coletando frutas e caçando e pescando. Vivem sem utensílios de cozinha e móveis desnecessários. Vivem uma vida simples, sem complicação. E são felizes, sem nenhuma parafernália, que lhes complique a rotina do dia a dia.
     Entretanto, nós, criados no meio dessa vida moderna, já fomos treinados a usar pratos e talheres. Se formos surpreendidos comendo arroz, feijão e macarrão com as mãos seremos ridicularizados, e  seremos alvo de escândalo e chacota.
Tenho consciência que, taças e porcelanas são artigos desnecessários, que a gente conserva apenas pelo valor sentimental e por agradar os olhos. Ninguém deixará de viver bem, se não possuir alguns deles. Sei também de gente que, muito amou suas peças, e cuidou delas, com o mesmo carinho que dedico às minhas. 
       Um dia, li por sugestão do amigo Milton Lima, o poema da ilustre poeta goiana, Cora Coralina, “O prato azul pombinho”.
      É uma verdadeira obra de arte. Ao lê-lo, o leitor vai visualizando o prato com todos os desenhos, e seguindo a história como se fosse uma história em quadrinhos, que os mesmos vão narrando. A narrativa é tão bela, que o leitor fica desejando ter o objeto nas mãos, para conferir a narração. Eu mesma fiquei com vontade de ter conhecido o prato azul pombinho...
         Sempre que tenho em mãos, peças tão delicadas e belas de porcelana e de cristal, penso na capacidade infinita de criação do homem. Desde os primeiros vasos de barro, que o homem primitivo produziu, até as preciosidades que se vêm nos antiquários hoje, quanto tempo transcorreu! E quanto de imaginação e de inteligência foi usada, para os artistas irem aperfeiçoando suas técnicas.
         A inteligência humana é inesgotável.
        É lastimável que ela não esteja voltada para o bem estar, do futuro da humanidade.
         O homo faber é capaz de feitos incríveis.
      Mas, o homo sapiens se limitou a criar coisas, e deixou a sua inteligência ser superada pela obsessão de produzir e, possuir coisas.
       Enfim, o homo sapiens deixou de ser tão sapiens, para ser apenas um pobre ser materialista.


                   Mirandópolis, 24 de março de 2012.
                   kimie oku (cronicasdekimie.blogspot.com)

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