sexta-feira, 20 de abril de 2012


    Gente de fibra – José Carrilho Viudes


        Há aqui em Mirandópolis, um cidadão meio poeta que vende sorvetes. É um homem simples e tranqüilo, que conhece todo mundo, e creio que a cidade toda o conhece também.
        É o senhor José Carrilho Viudes, que já tem 77 anos, mas anda lépido como um jovem, e tem pernas fortes para caminhar todos os dias de sol a sol, vendendo sorvetes.
        Seu José nasceu em Penápolis, onde os pais eram lavradores, como eram todos antigamente.
        Quando José tinha 4 anos de idade, a família veio de mudança para Mirandópolis. Aqui, seu pai Afonso Carrilho passou a trabalhar de carroceiro, transportando mercadorias e até pessoas, porque naquela época, não havia carros e caminhões na cidade, táxis menos ainda.
        A tarefa de José e dos irmãos era cuidar de dois animais, que ficavam na manjedoura, dando-lhes comida e água. Durante uns oito anos, seu pai foi carroceiro.
        Seu José se lembra que seu pai ia sempre lá perto do trevo, ao lado da lagoinha buscar carvão, que era produzido por uma grande carvoaria, e que abastecia toda a região. (Naturalmente não existia a atual via de acesso, nem asfalto e nem o trevo com a rotatória) O carvão vinha ensacado em fardos grandes, e era entregue na Casa Moreira e outros armazéns, que o revendiam para a população.
        Daí uns tempos, seu Afonso passou a ser charreteiro. Nessa época, havia na cidade cerca de cinco charretes servindo a população. Havia bastante serviço para os charreteiros, que transportavam apenas um passageiro por viagem. Seu pai  costumava ter clientes fixos.  E transportou muitas professoras para as escolas das Alianças.
         Há uma passagem interessante dessa época. O rapaz José gostava muito de pescar. De vez em quando, ele e seus pais saiam para pescar. Como não cabiam mais que duas pessoas na charrete, José ia caminhando atrás do veículo, que levava seu pai e sua mãe. Feliz, porque ia pescar. Só mais tarde, surgiram charretes de boléias maiores, que comportavam mais passageiros.
        José estudou até a 6ª série, e começou a trabalhar forçado pela situação econômica da família, que se compunha de seus pais e mais seis filhos.
        Foi trabalhar na Tipografia Santo Antônio de Idanir Antônio Momesso. Tinha apenas 13 anos de idade, e começou como aprendiz de Antônio Carrilho, seu irmão que já trabalhava lá. Quando esse irmão se firmou na Gráfica Gonçalves no Brás, José também se transferiu para São Paulo, e começou realmente o serviço de tipógrafo, montando chapas para as impressões.
        Um dia, conheceu o Gerente da Editora Saraiva, numa barbearia e foi convidado para trabalhar lá.
        A Gráfica Saraiva ficava na rua Juli, também no Brás. Lá, ele aprendeu a paginar livros. A Saraiva tinha  muito trabalho de impressão. José se lembra que ajudou na impressão do Código Penal Brasileiro. Nessa época, o serviço era feito por linotipo, montando letras e textos em placas. Muitos livros publicados pela Saraiva daquela época passaram por suas mãos.
        Na Saraiva, conheceu o famoso escritor Jorge Amado e o vidente espiritualista Chico Xavier. Lembra que ambos eram pessoas simples e gentis.
        Após doze anos na Saraiva, transferiu-se para outra Gráfica, também no Brás. Era a Editora Abril, que produzia as revistas Capricho e Cinderela. Lá, aprendeu a lidar com fotolitos.
         Em 1967, José se casou com a senhorinha Aparecida dos Santos, e se mudaram para Mauá e depois para São Caetano, no ABC paulista.
        Em São Caetano, passou a trabalhar na Gráfica Líder, que produzia impressos para os serviços do comércio, como notas fiscais, recibos, faturas.  Lá, trabalhou por cinco anos.
        Quando faltavam seis meses para se aposentar, voltou   para Mirandópolis e para a Tipografia de seu Idanir, onde ficou por cinco anos, mesmo depois do falecimento do patrão. Trabalhou também sob as ordens do herdeiro Chicão. Lá, ele montava carimbos, mas saiu para ceder o lugar para um amigo, que precisava do emprego. Então, o amigo Joaquim Alves o chamou para trabalhar na Gráfica Alves. Lá, ele ajudou a produzir o “Jornal de Mirandópolis”, que circulou por um bom tempo. O amigo Joaquim faleceu também, e seu filho  Paulo assumiu a Gráfica e a comanda até hoje.
        Quando considerava encerrada sua carreira de gráfico, de repente foi chamado para atuar na Gráfica Lélio em Andradina, onde ficou por sete meses. E aí encerrou a carreira de vez.
         Mas, para ocupar o tempo ocioso, passou a ser cobrador de uma firma comercial da cidade, efetuando cobranças de Andradina a Lavínia. Nessa função ficou por quatro anos. Depois começou a vender sorvetes.
        Há sete anos aproximadamente, ele percorre a cidade, oferecendo sorvetes à população. Diz que é feliz, porque está sempre ativo, conhece a cidade toda e tem saúde. Além disso, gosta muito de ler, escrever e declamar poemas. E gosta de conversar.
        Tem dois filhos, que são trabalhadores e atenciosos com os pais. Tem três netos, todos estudando. A tristeza que carrega na alma é a perda do genro Montanheira, que faleceu recentemente, tão jovem ainda. Mesmo assim, ele faz questão de dizer e repetir que foi abençoado por Deus, pela maravilhosa esposa que possui e pelos bons filhos e netos.
        Sua alma de poeta fá-lo repetir: “Os que amam vivem. Os demais são mortos que caminham”- citação de autor desconhecido.
        José Carrilho Viudes, que foi gráfico, tipógrafo, é poeta, é vendedor de sorvetes, e que não consegue parar de trabalhar é gente de fibra!

        Mirandópolis, novembro de 2011.
        kimie oku in “cronicasdekimie.blogspot.com”
     

2 comentários:

  1. Às vezes, passa um sorveteiro na rua apitando e, ninguém imagina que é um poeta que está passando.
    Às vezes, o cidadão que te serve na feira, o barbeiro que corta o seu cabelo, o motorista de táxi possuem experiências inusitadas, que ninguém pode imaginar. É por isso que todos merecem respeito. Até o mendigo que te pede uma moeda pode ter alma de príncipe.

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  2. Olá Kimie. Gostaria de te relatar uma experiência que tive com o seu blog. O meu finado avô Moacir, filho do pai de Birigui descendente de italianos (Ângelo Leonardi) e sua mãe de Mirandópolis, filha de espanhóis (a Maria Viudes Carrilho).

    Como o nome da mãe dele (Maria) sugere, meu avô (Moacir) é sobrinho do Sr. José, o sorveteiro aí da história. Meu avô sempre foi um homem muito reservado, brincalhão, dono de uma das vozes mais graves que já conheci sempre e de um coração enorme, nunca foi muito de falar sobre si ou sobre seu passado.

    Meu pai e meus tios sabem muito pouco sobre sua infância e sua juventude antes de chegar aqui em São Paulo. Porém, mesmo sempre na dele (meu avô também trabalhou muito a vida toda) toda vez que via ou ouvia algo que lembrasse seu passado em Mirandópolis se alegrava muito. Me lembro da alegria que era pra ele assitir o Jeca (Mazzaropi), acho que ele se identificava sempre que via.

    Pois bem, depois do sufoco que foi uma cirurgia no coração e o tratamento de uma doença rara do sangue meu avô que estava bem descobriu um câncer igualmente raro. Já estando doente pelo câncer que o levou continuou lutando para se formar online em Teologia mesmo com todas as dificuldades que essa doença trazia.

    Como eu sempre ficava perto dele ajudando com a parte da tecnologia e até estudando junto para auxiliá-lo na hora de enviar e digitar as provas, pude vivenciar alguns momentos inesquecíveis de comunhão com o meu avô.

    Um desses momentos foi o dia em que narrei esse texto do seu blog, o que lhe deu aquela energia de criança em relembrar a sua juventude e o fez até me contar um causo bastante engraçado sobre um trem que descarrilhou e destruiu propriedades dos japoneses das Três Alianças e como a cidade era dividida na "rixa" entre imigrantes japoneses e imigrantes europeus, isso fez com que os japoneses à época acusassem os europeus de sabotagem hahahahaha

    Hoje abri o Google e por acaso fui relembrar esse momento único onde pude escutar tanto de alguém de tão poucas palavras, e isso graças a crônica sobre meu tio-bisavô José Carrilho lindamente escrita por você. Ontem, 11 de Setembro, meu avô faria 74 anos. Já fazem 7 anos que ele se foi.

    Muito obrigado por esse registro no blog. Espero o quanto antes possível poder visitar a cidade de Mirandópolis e conhecer um pouco mais da história e da parentada que temos por aí. Aliás, também não sei se o tio José aí da história ainda está vivo, mas gostaria de conhecê-lo agora que graças a Deus está quase todo mundo vacinado.

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