quarta-feira, 4 de abril de 2012


        Gente de fibra- Dirce Cury da Costa


         Ela nasceu em Rio Verde, Goiás em 1922, e é irmã do Sr. Jorge Cury, que por décadas exerceu a função de Inspetor de Alunos, no Colégio Noêmia Dias Perotti.  
         Nasceu em família abastada, mas ainda criança perdeu o pai, que veio a falecer repentinamente. Diante dessa tragédia, sua mãe veio de mudança para Rio Branco, Mato Grosso, onde moravam seus avós, e acabou se casando em segundas núpcias, com José Haddad, com quem teve mais três filhos.
         Em 1936, a família Haddad veio de mudança para Mirandópolis, onde abriu A Casa Glória, que posteriormente pertenceria ao Sr. Assad Abud, com o nome de Casa Santa Glória, e que marcou época, com os tecidos finos que vendia.
         Após vender a Casa Glória, o Sr. Haddad e família instalaram um restaurante na antiga Avenida Internacional, hoje Rafael Pereira, bem na esquina, que mais tarde abrigou uma drogaria. E junto do restaurante, havia uma pensão, onde os viajantes alugavam quartos.
         Justamente nessa pensão, se hospedava um jovem recém formado em Medicina, que viera de Salvador, Bahia, a convite do Doutor Alípio de Almeida, de Guaraçaí. Este passara a substituir o Doutor Hermes Bruzadin, como médico da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e, convidou o amigo da Bahia, para vir trabalhar em Mirandópolis.
   O médico baiano tinha personalidade forte e marcava presença. Era charmoso e seguro de si. Da pensão onde residia, viu passar uma garota, adolescente ainda, se encantou com a sua beleza e, perguntou a alguém sobre ela. Disseram-lhe que a menina tinha um pai turco, muito severo, e ele deu uma sonora gargalhada, dizendo que ela seria a mãe de seus filhos.
         Doutor Edgar Raimundo da Costa era o nome do cidadão, que paquerava a menina da janela do quarto da pensão, pedindo-lhe para encher a moringa, sempre que a Dirce tirava água do poço. A única diversão da menina Dirce era ir à estação ferroviária, ver os trens que chegavam e partiam. A vida acontecia na plataforma da antiga estação...
         Com seis meses de namoro, Doutor Edgar e a jovem Dirce, então com apenas 15 anos de idade, se casaram numa igreja de tábua, porque ainda não existia a matriz atual. O Celebrante foi um padre de Valparaíso, porque o monsenhor Epifânio ainda não havia aportado por estas terras.
         Naquela época, o pequeno patrimônio estava ainda cercado pelas matas virgens, as casas eram todas de tábua, e as estreitas ruas eram de terra batida. Nem se pensava em serviços de urbanização.
Doutor Edgar era de uma família muito pobre da Bahia, cuja mãe trabalhou duramente anos a fio, fornecendo marmitas para trabalhadores, a fim de pagar os estudos do filho, que queria ser médico. E ele, como médico formado, nunca se esqueceu do sacrifício da mãe e do padrasto, mandando-lhes sempre, ajuda para a sua sobrevivência. Mesmo depois que o Dr. Edgar faleceu, dona Dirce continuou ajudando a dona Cândida, sua sogra..
Após o casamento, o novo casal foi morar numa casa de tábua na  atual 9 de julho, onde hoje está a Agência bancária Bradesco. Foi aí que, o médico começou a trabalhar como clínico geral. Um ano após, construíram uma casa na atual Rua 9 de julho, esquina com a Rua Dr. Edgar Raimundo da Costa, onde hoje está instalada a loja de cosméticos Channel. O consultório médico  foi construído logo acima, ao lado do atual Santander.
Como médico, Dr. Edgar e o senhor Fumio  Okuhara, Técnico de Laboratório, formado pela U.S.P. na década de 30, prestavam assistência aos doentes em suas casas. Para esse atendimento domiciliar, eles andavam a cavalo, porque não havia outro meio de locomoção. E andaram muito tempo, em lombo de animais, por toda a zona rural do município, incluindo as Alianças, vacinando, curando feridas, mordidas de cobras, e conferindo a saúde da população.
O senhor Okuhara fazia exames de fezes e de urina, pois os resultados eram imprescindíveis para os tratamentos. Anos a fio, os dois trabalharam de parceria, curando os enfermos da época. O senhor Okuhara, que era pai da advogada, Drª Taeko Okuhara, trabalhara anteriormente, com o Doutor Macoto Ono, no Hospital Santa Terezinha.
Como tudo era muito rudimentar, e a região não possuía uma assistência adequada para os doentes, Dr. Edgar começou a acalentar a instalação de um Posto de Puericultura.
E por ser um homem carismático, logo foi convidado a participar da política local e do Estado. Filiou-se ao P.S.P. (Partido Social Progressista) que fazia oposição ao Getúlio Vargas, então Presidente da República. Foi nomeado Presidente Regional do Partido. Tornou-se compadre do Dr. Ademar de Barros, então Governador de São Paulo, e logo conseguiu o Posto de Puericultura, que foi instalado inicialmente na Rua São João. O Posto começou com três funcionários, sob a supervisão do Dr. Edgar, que dividia o tempo com o atendimento particular, em seu consultório.
Sua filha Rosalinda, hoje residente em Andradina, lembra que seu pai era um homem generoso. Certa vez, ele trouxe um homem cheio de feridas, instalou-o na garagem da própria casa, e o tratou por várias semanas, limpando e medicando as pústulas. Ele fazia os três filhos, crianças ainda, cumprimentarem o doente, e a Rosa tinha a obrigação de levar-lhe a comida todos os dias, porque ela é quem mais refugava a presença de tal pessoa em casa.  (O pai ensinava os filhos a respeitarem o próximo, sem olhar as diferenças). Lembra ainda que, a garagem de sua casa era uma espécie de ambulatório, onde o Dr. Edgar acomodava os doentes, que precisavam de mais atenção. Lembra também, que a sua casa estava sempre aberta para as pessoas, que precisavam não só de atendimento médico, assim como de um prato de comida. No dia de Natal, o acolhimento era especial, e por isso formavam-se filas de gente necessitada.
Apesar de generoso, era um homem muito temperamental e gostava de brigar. Quando o seu partido político perdeu a eleição para Governador do Estado, saiu armado, para enfrentar as provocações dos adversários. Felizmente, ninguém o ofendeu, porque era muito respeitado.
      Dona Dirce lembra que o Dr. Edgar foi Vereador por dois mandatos, chegando a ser o Presidente da Câmara Municipal. Era sempre o Vereador mais votado. Como Presidente da Câmara, realizou muito por Mirandópolis. Conseguiu além do Posto de Puericultura, que mais tarde seria o Posto de Saúde, o Hospital das Clínicas através de um telefonema ao Governador e compadre Dr. Ademar de Barros. Cidades mais importantes da região também pleiteavam o Hospital.
 O Hospital das Clínicas foi instalado no antigo Hospital Santa Terezinha, e é atualmente o Hospital Geral de Mirandópolis, que presta inestimável assistência médica à região e aos Estados vizinhos.
       Além disso, conseguiu também através do Governo do Estado, a construção do prédio do Ginásio Estadual, que mais tarde receberia o nome de Colégio Estadual “Noêmia Dias Perotti”, por onde já passaram gerações e gerações de jovens, em busca de formação escolar.
         Como médico, Dr. Edgar conviveu com Dr. Aldo, Dr. Cotrin, Dr. Pardo, Dr. Massayuki Otsuki, Dr. Hermes, Dr. Olímpio de Macedo, Dr. Ono e Dr. Yoshito. Como cidadão, tinha vida agitada, cheia de compromissos, e a casa estava sempre cheia, com convidados para jantares. Dona Dirce sempre teve ajudantes para essas festas.
 O badalado casal pertenceu ao Rotary Clube local, à Loja Maçônica, e ao Clube dos 21, que congregava as pessoas de mais destaque na sociedade, e que pertenciam à Loja Maçônica.
       Mesmo ocupado com tantos compromissos, ele tinha tempo para a família. Era um homem feliz, e a dona Dirce sempre esteve ao seu lado, em todos os momentos, participando de todos os eventos.
         Dona Dirce tem boas lembranças desse tempo. Lembra dos famosos bailes com Gregório Barrios, Carlos Galhardo, Nélson de Tupã, Pedrinho e sua orquestra, e Sílvio Caldas, de quem era amigo pessoal desde os tempos de Salvador.
Esses bailes ocorriam no B.A.C. ou Bandeirantes Atlético Clube, que ocupava o salão sobre a loja Vigorelli, à Rua Araçatuba, hoje Rua Gentil Moreira e, mais tarde no Clube Atlético de Mirandópolis, o C.A.M.
    Mas a vida social agitada, muito uísque e muita comida acabariam estragando a saúde do médico. De repente, adoeceu, com problemas nos rins e, acabou falecendo em 28 dias.
     Naquela época, não havia ainda, o recurso do transplante de rim, que era a única forma de salvá-lo. Faleceu no Hospital São Paulo, para onde foram o seu cunhado Jorge Cury e o amigo Luís Veroneze, buscar o corpo, para enterrar aqui em Mirandópolis, conforme seu desejo, porque amava esta cidade. Era o dia 19 de janeiro de 1955, e estava com apenas 41 anos de idade.
         Vida breve, cheia de realizações...
Dona Dirce era uma viúva de 33 anos. Ficaram órfãs três crianças: Rosalinda com apenas 13 anos, Eloísa Helena com 9 anos, e o Edgarzinho com 7 anos. A perda foi um choque não só para a família, mas para toda a população.    
A sua morte repentina deixou a cidade completamente sem liderança, em todos os sentidos. Mesmo o cachorro Duque, que era amado pelo Dr. Edgar, após a morte deste, foi  diariamente ao cemitério, durante uns três meses,  e ficava chorando  sozinho diante do túmulo...
         Após a partida do companheiro, amigo e esposo, com quem vivera apenas 18 anos, dona Dirce se dedicou ao trabalho. Administrou durante uns dez anos, o Restaurante do Clube Atlético de Mirandópolis, que acabou passando para o irmão Jorge e sua esposa Luizinha. Depois, dona Dirce se associou com a amiga Dinorah numa livraria, com quem ficou um tempo. Para estudar os filhos, ela se transferiu para Campinas, onde também administrou um Restaurante, por anos. Seus filhos estudaram e a primogênita se tornou  Professora Primária e de História, a Eloísa Helena, que faleceu recentemente, foi Professora de Filosofia na F.M.U. e o Edgar é Cirurgião Dentista em Campinas. Além dos três filhos, ela tem um genro, três netos e dois bisnetos.
         Quando os filhos se tornaram independentes, dona Dirce foi morar em Poços de Caldas, onde ficou por dezoito anos.
         Em 1995, a Escola que leva o nome do célebre médico, em Mirandópolis, prestou uma belíssima homenagem póstuma ao Dr. Edgar, que comoveu toda a família.
         A lembrança mais bonita que dona Dirce tem do seu amado esposo é a alegria que ele possuía em viver. Era arrojado, cheio de entusiasmo e, sabia o que queria da vida, era enfim um homem feliz. Sabia cativar as pessoas ao seu redor.
Ela viveu apenas dezoito anos com ele, mas foi muito feliz, e viveu esses anos todos, cuidando da família que formou com ele, e grata por ter sido esposa de um homem tão especial. Nunca mais se casou.
     Toda essa bonita história de amor faz a gente pensar em predestinação. Não há outra maneira de explicar o encontro dessas duas pessoas; ele, nascido em Salvador, Bahia e ela, nascida em Rio Verde, Goiás, virem se encontrar e se unir para sempre, aqui em Mirandópolis.
E se devemos bastante ao Dr. Edgar, em termos de benefícios para a comunidade mirandopolense, devemos outro tanto à dona Dirce, que conseguiu cativá-lo e mantê-lo aqui, numa cidadezinha perdida no meio das matas, onde ele realizou o sonho de transformá-la, para o conforto de toda a população da época, e de todas as gerações que viriam depois.                                                              
         Dona Dirce está com 90 anos, mora em Andradina, a uma parede da filha Rosa, e do genro Dilmo que se desvelam em cuidados e carinho. É também uma senhora de bem com a vida, e diz que ainda tem um sonho: Quando chegar a sua hora, irá contente, com a absoluta certeza de encontrar o seu amado esposo, que diz ter sido o seu único e verdadeiro amor.
       Que certamente estará á sua espera.

       Mirandópolis, 30 de março de 2012.

                      kimie oku
  in”cronicasdekimie.blogspot.com”

Post scriptum : Dedico esta narrativa à ilustre família de Dr. Edgar Raimundo da Costa, como uma pequena homenagem póstuma, ao nobre médico, que tanto fez por Mirandópolis.

2 comentários:

  1. Marta das graças Fonseca6 de outubro de 2013 às 12:07

    Maravilhoso tudo que escreveu!Emociou-me bastante.

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    1. marta das Graças Fonseca6 de outubro de 2013 às 12:09

      Desculpe o ~erro:EMOCIONOU-ME....

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